Na única sessão de debates temáticos para debater a reforma da Previdência (PEC 6/2019) em plenário, especialistas convidados pelos parlamentares contrários à proposta do governo Bolsonaro demonstraram as inconstitucionalidades, inconsistências e os riscos contidos no projeto que ameaçam diminuir as garantias de proteção previdenciária aos cidadãos mais pobres do Brasil.
Na avaliação do economista Eduardo Fagnani, uma reforma do sistema previdenciário não pode desconsiderar a dramática realidade do mercado de trabalho brasileiro. Fagnani reconheceu a necessidade de ajustes periódicos nas regras previdenciárias, mas apontou que o projeto do atual governo parte de um diagnóstico “intencionalmente equivocado”.
“Parte-se de uma ideia errada de que temos um sistema previdenciário único e que todo sistema está contaminado por privilégios. Isso não é verdade. O Brasil tem 12 milhões de desempregados, 5 milhões de desalentados, 14 milhões de trabalhadores subocupados, 40 milhões de trabalhadores informais e 55 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza. Esse enorme contingente de brasileiros já não contribui para a Previdência mesmo com as regras atuais e dificilmente terá proteção previdenciária na velhice”, alertou.
Já o economista Eduardo Moreira citou recente estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no qual aponta que as recentes tendências de austeridade fiscal têm colocado em risco aquele que é o objetivo final de qualquer sistema de seguridade social.
Diz o estudo da OIT: “As recentes tendências de austeridade ou consolidação fiscal estão afetando a adequação dos sistemas de pensão e as condições gerais de aposentadoria. (…) Os países devem ser cautelosos ao elaborar reformas para garantir que os sistemas de pensão cumpram sua missão de fornecer segurança econômica aos idosos”. [tradução livre]
Moreira citou quatro pontos cruciais que necessitam ser alterados pelo Senado na PEC 6 e que, se aprovados, podem representar a perda da segurança previdenciária de milhões de brasileiros da noite para o dia. São eles: as mudanças no pagamento do abono salarial, endurecimento das regras para pagamento de pensão por morte, adoção de idade mínima para aposentadorias especiais e exigência de tempo mínimo de contribuição para homens.
“Estamos falando da proteção daqueles que, quando não tem mais a quem pedir ajuda, tem somente a ajuda do grupo. E é essa a definição de nação. Se em algum momento deixarmos desassistidos nossos irmãos que vivem nas condições mais difíceis não deveríamos mais ter o direito de chamar esse País de nação”, destacou Moreira.
O senador Paulo Paim (PT-RS) chamou de “crime” a nova regra proposta pelo governo para as aposentadorias por invalidez. Ele explicou que pela regra atual, o trabalhador que sofre repentinamente um Acidente Vascular Cerebral (AVC) ou um infarto e precisa aposentar em decorrência disso, aposenta com o salário integral, levando em consideração a regra atual. Pelas novas regras previstas pela reforma, o trabalhador que tiver, por exemplo, 19 anos de contribuição previdenciária se aposentará recebendo apenas 60% do valor de benefício.
“Não estou falando de quem ia se aposentar recebendo 20 mil reais por mês. Quero saber quem ganha 2000 mil reais, fica inválido e perde cerca de 800 reais. Isso representa a luz, a água, o gás, o aluguel, o medicamento. Quando se fala em privilégios, uma coisa é dizer que alguém que ganha 30 mil reais vai ter um prejuízo enorme. Mas ganhar cerca de dois mil reais e ter um prejuízo de 800 reais? Isso é que dói na alma de cada homem e cada mulher”, criticou o senador.
Eduardo Fagnani afirmou que uma reforma do sistema previdenciário não pode desconsiderar a “dramática” realidade do mercado de trabalho brasileiro e não deve esquecer que o Brasil é um país de longo passado escravagista que ainda não enfrentou sequer as desigualdades do século XIX.
“O Estado brasileiro já foi descoberto sob o clima da dominação. E ao longo da sua história sempre foi dominado, com alguns intervalos de um Estado que pregasse o mínimo de Justiça, igualdade e oportunidade para todos. Hoje, o Estado brasileiro, seja qual for o governo de plantão, deve falar do principal déficit do País que é com o povo, principalmente os mais pobres”, enfatizou o senador Paulo Rocha (PT-PA).
Alternativa ao projeto
O ex-ministro da Previdência Social, Ricardo Berzoini e a coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, defenderam como alternativa ao projeto de reforma da Previdência do governo Bolsonaro a tributação de grandes fortunas.
Segundo Fattorelli, a aprovação de dois projetos que tratam da tributação de grandes fortunas e do fim da isenção sobre lucros e dividendos seria capaz de gerar R$ 1,25 bilhão em dez anos. O montante é R$ 250 milhões a mais do que o ministro da Economia garante de economia com a reforma.
“Precisamos tributar corretamente os bilionários, os latifundiários, os banqueiros para que possamos ter dinheiro para fazer as políticas públicas que o Brasil precisa. O que gera emprego não são regras trabalhistas ou previdenciárias frouxas. O que gera emprego efetivamente é o investimento, o planejamento governamental para, a partir de investimentos públicos, atrair investimentos privados”, disse Berzoini.