Há dez anos, exatamente no dia 28 de janeiro de 2004, três auditores fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho foram assassinados numa emboscada na zona rural de Unaí (Minas Gerais). Erastóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage, Nelson José da Silva e Ailton Pereira de Oliveira formavam um grupo que vistoriava condições de trabalho e moradia de colhedores de feijão. A suspeita era de que os trabalhadores eram mantidos em condições similares à escravidão.
O primeiro julgamento dos acusados durou quatro dias e terminou com a condenação de três réus. Rogério Alan Rocha Rios pegou 94 anos de prisão; Erinaldo de Vasconcelos Silva, 76 anos e 20 dias; e William Gomes de Miranda, 56 anos. Ao todo, as penas somam 226 anos. Inicialmente, o trio, que já estava preso, vai cumprir pena em regime fechado. Um dos acusados, Francisco Elder Pinheiro, que teria contratado os matadores, morreu no dia 7 de janeiro. Com isso, o processo passou a ter oito réus. No dia 17 de setembro, devem ir a júri os acusados de ser mandante e intermediários, respectivamente: Norberto Mânica, Hugo Alves Pimenta e José Alberto de Carvalho. O julgamento de Antério Mânica ainda não tem data marcada
Nesta terça-feira (28), auditores fiscais do Trabalho fizeram uma manifestação em Brasília. Eles querem a punição dos culpados desse e de outros crimes semelhantes.
Bandeira petista; compromisso reassumido
Acabar com o trabalho escravo no Brasil é uma bandeira histórica do PT, levantada há tanto tempo quanto a própria bandeira do partido. Nessa segunda-feira (27), homenageando o líder do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) Bruno Maranhão que faleceu no Recife, o PT e os senadores da bancada, liderados por Wellington Dias (PI) reforçaram o compromisso pela aprovação da Proposta de Emenda Constitucional que trata do assunto – a chamada PEC do Trabalho Escravo (PEC-57-A), que tramita em paralelo com um projeto de Lei (PLS 432/2013), que regula a expropriação de propriedades urbanas e rurais que exploram o trabalho escravo. A ideia de votar o PLS antes da PEC não foi aceita pelos senadores petistas, que consideram não haver sentido em votar um detalhe antes de apreciar o mérito do assunto.
A senadora Ana Rita (PT-ES), presidenta da Comissão de Direitos Humanos (CDH), argumenta que o texto proposto no PLS ameniza a punição ao trabalho escravo. “Eu solicito que a regulamentação seja votada apenas após a aprovação da PEC. Até porque a regulamentação precisa ser mais bem debatida. Não dá para se votar rapidamente a regulamentação sem que haja um amplo debate. Para mim, essa regulamentação traz um conceito que flexibiliza o trabalho escravo e precisamos ampliar o debate com quem atua nessa área”, disse. “Não existe consenso acerca dessa matéria. Não podemos permitir que haja retrocesso com o texto da PEC do Trabalho Escravo. Não dá para votar de qualquer maneira”, emendou a senadora.
A posição da senadora é acompanhada por outros parlamentares e pelo líder do PT no Senado, Wellington Dias (PI), que lembrou o acordo entre os senadores que previa a votação da matéria apenas após o fim da tramitação da PEC. “Defendo que tenhamos a votação da PEC e depois, sim, possamos analisar o texto da matéria que está sendo alvo de análise e recebendo contribuições de diversas áreas do governo”, completou.
Ministério Público do Trabalho
Apesar da morosidade da Justiça, que garante que processos para punir quem explora a mão de obra do trabalhador e o submete a condições indignas e desumanas se arrastem por anos, o Ministério Público Federal (MPF) informou, também nesta terça-feira, que tem intensificado os esforços para garantir maior eficiência na punição do trabalho escravo. Desde 2010, os procedimentos extrajudiciais instaurados aumentaram mais de 800%. Já as ações penais autuadas quase dobraram. Ambos relativos ao crime tipificado no artigo 149 do Código Penal, que é a redução da pessoa a condição análoga à de escravo.
De acordo com dados publicados na pagina do MPF, apenas nesta semana, em São Mateus (ES), sete pessoas do Grupo Infinity Bio-Energy foram denunciadas por terem submetido 1.551 trabalhadores a condição análoga à de escravidão em suas propriedades, localizadas nos municípios de Pedro Canário e Conceição da Barra, no norte do Estado. Os empregados estavam sujeitos a jornadas exaustivas e a condições degradantes de trabalho.
O fato foi descoberto há quase cinco anos, em maio de 2009, durante inspeções realizadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) nas empresas que compõem o Grupo Infinity Bio-Energy: Cristal Destilaria Autônoma de Álcool S/A (Cridasa) e Infinity Agrícola S/A (Iasa), de Pedro Canário; e Destilarias Itaúnas S/A (Disa) e Infinity Itaúnas Agrícola S/A (Infisa), de Conceição da Barra. As inspeções eram parte das operações do Programa Nacional de Combate às Irregularidades Trabalhistas no Setor Sucroalcooleiro no Espírito Santo.
Escravidão contemporânea
No Brasil, o trabalho escravo é mais comum em áreas rurais, carvoarias, confecção de roupas, construção civil e para fins de exploração sexual. Conforme dados compilados em nota técnica da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, os estados onde há o maior foco da prática do crime previsto no artigo 149 do Código Penal (redução a condição análoga à de escravo) são: Pará, com 295 investigações em andamento, Minas Gerais, com 174 investigações, Mato Grosso, com 135 casos, e São Paulo, com 125. Em todo o Brasil, são 2.232 investigações em andamento referentes aos crimes relacionados à prática de trabalho escravo, ou seja, que abrangem os crimes previstos nos artigos 149, 203 e 207 do Código Penal (dados de dezembro de 2013).
Em São Paulo, se verifica a prática dos principais casos de frustração de direitos assegurados por lei trabalhista (crime previsto no art. 203 do Código Penal), principalmente em função da imigração ilegal. No estado, há predominância de latino-americanos, sobretudo de bolivianos, e, mais recentemente, de asiáticos, que trabalham sem folga e com baixíssimos salários em oficinas de costura, carvoarias, construções civis e na agricultura (corte de cana-de-açúcar).
Em 2013, dos 240 procedimentos extrajudiciais instaurados em todo o Brasil relacionados à frustração de direitos trabalhistas, 106 foram em São Paulo. E, num total de 179 inquéritos policiais instaurados, 61 casos foram em SP e 33 no Rio de Janeiro.
Se restringirmos a análise ao crime de redução a condição análoga à de escravo (art. 149 do Código Penal), o Pará é o estado onde houve o maior número de procedimentos extrajudiciais. Dos 702 instaurados em 2013, 121 foram no Pará, deixando SP na segunda posição, com 72 casos.
Giselle Chassot, com informações do Ministério Público do Trabalho
Assista a manifestação que lembrou os 10 anos da chacina de Unaí, realizada em frente ao STF
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