Foto: Alessandro Dantas Marcello Antunes
22 de novembro de 2016 | 14h55
Um corredor polonês se formou no acesso à sala de reuniões da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado na manhã desta terça-feira (22). Eram assessores da base de Temer acomodados na Casa Civil, na liderança do Governo no Senado, no PSDB e no DEM, recomendando aos parlamentares o “esvaziamento” da sessão, para evitar qualquer votação. O motivo, simples: é que a CAE iniciou o debate de vários projetos alternativos à PEC da Maldade e não há qualquer interesse por parte deles em discutir tributação dos ricos ou diminuir os juros extorsivos praticados atualmente.
Entre os projetos que podem substituir a PEC da Maldade figuram alguns emblemáticos para a base do governo Temer, como o que retoma a tributação sobre pagamento de juros e dividendos. Desde 1995 empresários optam por substituir suas retiradas mensais na forma de juros sobre capital próprio e dividendos da atividade produtiva. Com isso, empresários que ganham mais de R$ 300 mil por mês não recolhem um centavo de imposto. A isenção é total.
“Hoje só dois países adotam a isenção para o juro e dividendo, o Brasil e a Estônia. Isso chama a atenção porque precisamos instituir a justiça tributária e a social. Tributar juros e dividendos pode resultar numa arrecadação adicional de mais de R$ 50 bilhões, algo opcional à PEC da Maldade”, explicou o senador Jorge Viana (PT-AC). Ele é o relator do PLS nº 588/2015. Essa proposta tramita em conjunto com outros dois projetos, os PLSs nºs 616 e 639/2015.
O senador Otto Alencar (PSD-BA), autor da proposta 639/2015, elogiou a iniciativa e o relatório de Jorge Viana, por entender ser urgente adotar uma tributação justa no Brasil. Viana apontou que mesmo retomando a cobrança desse imposto, a carga tributária brasileira continuará na faixa de 34% do PIB, percentual abaixo da carga de 34 países da Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE). O senador relevou que a carga tributária nos Estados Unidos, por sua vez, está em 57%, na França, 64,4%, no Chile, 40% na Alemanha, 48% e no México, 42%.
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que é um dos autores da proposta relatada por Viana, lembrou que a isenção foi dada por Fernando Henrique Cardoso. Na ocasião, a justificativa dos tucanos era a de que a isenção ajudaria reduzir a inflação. Só que a isenção ficou, os juros continuaram na faixa de 40% e a inflação não caiu. “Têm empresários que retiram R$ 300 mil e não pagam nada de imposto. Já um trabalhador, um servidor público que ganha 6 mil reais, por exemplo, paga imposto de renda de 27,5% na fonte”, disse Lindbergh. “Também acabaram com o escalonamento das faixas de tributação, ou seja, o governo Temer quer tirar dos pobres para dar aos banqueiros”.
Fugindo do debate
A presidenta da CAE, senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), criticou a ausência de senadores da base de Temer na discussão das matérias. Segundo ela, o sumiço dos apoiadores revela o temor do governo em debater propostas alternativas à PEC da Maldade e que afetam o andar de cima. “Está claro que a base desse governo só ter interesse em prejudicar os mais pobres”.
O senador Roberto Requião (PMDB-PR) disse que a ausência é vergonhosa para um governo já marcado pela pecha de preservar os interesses dos ricos e poderosos do País.
Cheque Especial
De autoria da senadora Gleisi Hoffmann e relatoria de Lindbergh Farias, o texto do PLS nº 413/2016, que limita a cobrança de juros nos empréstimos bancários a duas vezes, no máximo, a taxa Selic em vigor também foi lido durante a sessão. Essa proposta vale para os empréstimos tomados tanto por empresários quanto por pessoas físicas.
Outro projeto lido foi o PLS nº 407/2016 que limita o juro cobrado no cartão de crédito, dos bancos e das financeiras. Relator do projeto, Lindbergh afirmou que só no Brasil cobra-se juros de 480% no cheque especial. “Isso é extorsivo”, criticou, para observar, em seguida, que no Paraguai o juro do cheque especial é de no máximo 20% ao ano.
O autor do projeto, senador Ivo Cassol (PP-RO), fez um relato pessoal a respeito dessa matéria. Logo após apresentá-la, há quinze dias, teve seus cartões de crédito bloqueados. Ele estava em Belo Horizonte e seguiria para o Sul. Quando foi comprar passagem aérea, os dois cartões estavam bloqueados. “Passei um constrangimento tremendo. As contas estavam em dia. Só pode ser por causa desse projeto que limita o juro do cheque especial que fizeram isso comigo”, revelou.
Segundo ele, as administradoras dos dois cartões ainda não fizeram a liberação. “Todas minhas contas estão em dia. Acontece que nós, o Senado, está convalidando esse roubo que se pratica no cheque especial. O juro exorbitante é, na verdade, um roubo legalizado. Precisamos acabar com isso”, salientou.
A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), considerou o fato escandaloso e recomendou levar o caso para a presidência do Senado. “O Congresso Nacional precisa adotar uma medida urgente sobre isso porque é muito grave o que relatou o senador Ivo Cassol”, disse ela.
Para o senador Roberto Requião (PMDB-PR), o juro do cheque especial no Brasil é surreal. Em outras palavras, resumiu: “É um roubo”, disse ele, acrescentando que o governo Temer terceirizou sua gestão para o capital financeiro, para os rentistas e especuladores. “A PEC da Maldade é justamente isso, retira dos pobres para pagar juros aos banqueiros”.
Os projetos voltam para a pauta da CAE na semana que vem, prontos para a votação, já que vistas coletivas foram solicitadas. Quem pediu vista foi o único senador da base de Temer presente na reunião, Ricardo Ferraço (PSDB-ES).
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