PEC 55 é duplo equívoco: remédio errado para diagnóstico mal feito

PEC 55 é duplo equívoco: remédio errado para diagnóstico mal feito

Foto: Alessandro Dantas/ PT no Senado

Cyntia Campos
22 de novembro

A PEC 55, que pretende amarrar os investimentos sociais por 20 anos, é um duplo equívoco. Ela parte de um diagnóstico errado — a crise econômica seria resultado de uma suposta “gastança” do governo — e prescreve o remédio errado até mesmo para essa doença imaginária. Essa é a conclusão da audiência pública realizada na noite da última segunda-feira (21) pela Comissão de assuntos Econômicos (CAE), que ouviu especialistas na área tributária.

“O desafio da nossa economia é retomar o crescimento e a geração de empregos, não é uma crise fiscal. E ainda que fosse uma crise fiscal, a solução não seria o congelamento de gastos públicos, como quer a PEC, mas a ampliação da arrecadação”, resumiu o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), proponente do debate, que foi realizado pela CAE em conjunto com a Subcomissão Permanente de Avaliação do Sistema Tributário nacional.

Participaram da audiência dois representantes dos auditores-fiscais da Receita Federal — o diretor do Sindicato Nacional da categoria, Pedro Delarue, e o diretor da Delegacia Sindical da entidade no Ceará, Helder Rocha —, o procurador-geral do Incra, Junior Divino Fideles, e a professora de Economia da Universidade Federal de Pernambuco, Rozane Bezerra de Siqueira. Os debatedores apresentaram dados impactantes sobre a regressividade do sistema tributário nacional — a regressividade, ao contrário do que manda a Constituição é a característica de um modelo que cobra mais tributos de quem menos pode pagar.

Quem financia o Estado?
Ainda que o pressuposto de “crise fiscal”—o pretexto usado para congelar investimentos enquanto a população continua a crescer—fosse real, qual a justificativa para cortar as verbas do posto de saúde para quem só tem o SUS e da escola pública da infância brasileira, se há um vasto universo de patrimônio e renda imune à mordida do Fisco? Essa é a reflexão que deve anteceder a análise da PEC 55, pondera Lindbergh Farias.

Maira ColaresCharge de Maira ColaresOs números apresentados pelos especialistas dão razão ao senador. O Estado brasileiro concentra metade de sua arrecadação tributária sobre o consumo. “Isso significa que, no Brasil, até um mendigo é contribuinte”, aponta Pedro Delarue, do Sindicato dos auditores da Receita (Sindifisco Nacional). E isso acontece porque ao receber, por exemplo, R$ 5 de esmolas, esse brasileiro gaste 25% desse valor com tributos, ao gastar o dinheiro comprando pão e leite. O milionário que compre o mesmo pão e o mesmo leite pagará o mesmíssimo imposto — um montante que, naturalmente representará menos que um grão de areia em seus rendimentos.

Distorções tributárias: escândalo
A opção brasileira pelos tributos indiretos sobre o consumo provoca distorções tributárias que resultam em profunda injustiça. O patrimônio, por exemplo, contribui com apenas 3,76% do que é arrecadado em tributos no Brasil — as propriedades rurais, em um país onde a estrutura agrária ainda é sinônimo de latifúndio, praticamente não comparecem com qualquer contribuição ao financiamento do Estado: apenas 0,04% do total do bolo tributário tem origem no Imposto Territorial Rural (ITR).

Do xampu ao aparelho celular, os brasileiros costumam reclamar que os produtos comprados no exterior costumam custar bem menos que aqui dentro. A explicação é simples, mostra Delarue: enquanto países como os Estados Unidos têm metade de sua arrecadação tributária oriunda do Imposto de Renda, o Brasil prefere enfatizar a tributação sobre o consumo, o que encarece as mercadorias no comércio – enquanto isso, o topo da pirâmide que paga menos imposto de renda do que deveria aproveita o desconto para viajar para o exterior e comprar produtos mais barato.

Tributo e distribuição de renda
Os especialistas presentes à audiência pública da CAE foram unânimes em ressaltar que um sistema tributário justo deve ter entre suas principais funções contribuir para a distribuição de renda—o indicador deve ser o PIB per capita e não apenas o PIB. Isso não vai acontecer no Brasil enquanto perdurar uma mudança feita na legislação durante o governo Fernando Henrique Cardoso, que simplesmente isenta do pagamento de impostos a remuneração que donos de empresa recebam a título de lucros e dividendos.

Enquanto um assalariado de renda mais alta paga 27,5% de seus rendimentos de Imposto de Renda—descontado na fonte, sem choro nem vela— os lucros auferidos pelo dono de uma megaempresa passam incólumes pela tributação e chegam inteirinhos ao bolso do empresário. Lindbergh Farias é autor de um projeto que pretende acabar com essa isenção, restabelecendo uma fonte de arrecadação que pode fazer frente às necessidades de caixa para financiar políticas públicas para quem mais precisa.

 

“Especialmente em um momento de crise, quando as famílias não compram e os empresários não investem, é o governo que precisa injetar dinheiro na economia para fazer a roda girar na direção do crescimento”, lembra o senador. 

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