Revolta: professores se queixam da política do porrete de Beto RichaSenadores, deputados, professores e demais convidados foram todos na mesma direção, nesta quarta-feira (06), e condenaram com veemência a atitude violenta com que a Polícia Militar do Paraná reprimiu a manifestação ocorrida no último dia 29, no centro cívico de Curitiba, quando professores foram impedidos de acessar a Assembleia Legislativa para acompanhar a votação de um projeto de lei que muda o sistema de previdência da categoria.
A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) que estava no Paraná durante os acontecimentos e acompanhou de perto todo o andamento dos protestos dos professores afirmou que, na oportunidade, foram aproximadamente duas horas de bombas de efeito moral sendo atiradas por policiais contra os manifestantes. Além disso, de acordo com a senadora, os policiais mantiveram as sequências de tiros de balas de borracha, com a prerrogativa de proteger o prédio da Assembleia, mesmo quando os professores já estavam afastados do local. “É lamentável tudo o que assistimos”, classificou.
Na oportunidade, os senadores Gleisi Hoffmann e Roberto Requião (PMDB-PR) estavam no Paraná em missão oficial representando o Senado, no intuito de encontrar uma solução para a mudança na previdência dos servidores e pedir aos deputados estaduais que aguardassem um parecer do Ministério da Previdência acerca do projeto.
Durante aproximadamente cinco horas, a Comissão de Direitos Humanos (CDH), presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS) debateu a situação após a crise da última semana e procurou encontrar saídas para que cenas como a protagonizadas pela Polícia Militar do Paraná em repressão aos professores não voltem a se repetir.
Quem ordenou o ataque deve ser punido
A senadora Fátima Bezerra (PT-RN), vice-presidenta da Comissão de Educação (CE), registrou que, o colegiado, na manhã de ontem, aprovou uma moção de repúdio a forma com que os professores foram tratados pela PM do Paraná. De acordo com a senadora, não se pode permitir que a luta social em busca de melhores condições seja considerada como caso de polícia.
“Não podemos aceitar que os professores sejam tratados como foram. Não pode ser considerada normal a forma com que os policiais agiram. Aquilo feriu de morte não só os professores do Paraná, mas os professores de todo o País. Aquilo envergonhou todo o País. Não podemos, a pretexto de proteger um prédio, soltar os cachorros pra cima de professores e trabalhadores. Atos dessa natureza são inaceitáveis”, disse.
Gleisi Hoffmann: cenas protagonizadas pela PM do Paraná contra os professores são “lamentáveis” Fátima também relatou que o plenário do Senado deve analisar um voto de censura, de sua autoria, ao governo do Paraná pela violenta repressão aos professores. “A luta social e popular não pode mais ser tratada dessa maneira. Os tempos são outros e vimos uma ação que ultrapassou todos os limites do aceitável”, destacou.
A ouvidora Nacional dos Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Irina Karla Bacci, avaliou que os atos ocorridos no Paraná mostram o estado de falência dos órgãos de segurança e dos manifestantes, em geral, que, frequentemente, falham em conseguir gerenciar suas crises e contradições sem o uso da violência.
A ouvidora relatou que o Disque 100 – Disque Direitos Humanos – recebeu 22 denúncias de violações dos direitos humanos referente aos atos ocorridos no centro cívico de Curitiba. Pessoas essas que não concordaram, segundo ela, com a ação desproporcional e repressiva dos policiais.
“As denúncias, em sua maioria, foram feitas por alunos e familiares de professores daqueles que estavam ali se manifestando. Isso mostra que aquela violência atingiu pessoas que não estavam presentes ali naquele momento”, disse.
Prova da ação desproporcional relatada por Irirna e que lhe chamou a atenção, foi o fato de os professores apresentarem, em sua maioria, mais de dois ferimentos no corpo e, geralmente, marcas acima da linha da cintura. “Os armamentos não letais, se utilizados indevidamente, podem ser letais. E o Congresso precisa, urgentemente, dialogar acerca desse tema e regulamentar a utilização desse tipo de armamento”, cobrou.
Atuação policial como resquício do período ditatorial
Para o secretário-geral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudio Pereira Neto, o “massacre” que ocorreu no último dia 29 representa uma profunda afronta ao momento democrático vivido no Brasil desde 1988.
O representante da OAB cobrou a imediata revisão dos currículos de treinamento e combate das corporações policiais do País que, atualmente, são voltadas prioritariamente para o confronto, em detrimento da proteção ao cidadão.
“Isso que acontece no Paraná é sintoma de algo muito mais grave que não tem sido tratado com a devida atenção pelas autoridades do País. A democratização da Policia. Essa mesma atuação da Polícia no Paraná, vitima pessoas no meu estado. Essa mesma atitude de desrespeito pela pessoa humana vitimou pessoas como o Amarildo e Cláudia, que foi esfolada viva pelo asfalto, enquanto era arrastada na traseira de uma viatura”, salientou.
Para ele, o simples fato de a polícia levar cães para uma manifestação, remete ao período da ditadura militar. “Não se justifica que as polícias militares adquiram armamentos voltados à guerra. As polícias devem ser submetidas ao regime democrático que vigora de 1988”, disse.
Cláudio ainda destacou que, numa democracia sem desvirtuamentos, o correto seria que os manifestantes fossem ouvidos pelas autoridades públicas, que lhe devem satisfação a sociedade como um todo. E hoje, pelo contrário, eles são tratados pelo contingente policial. “O papel da polícia numa democracia, não é combater a população”.
José Carlos Torves, relações públicas da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), foi no mesmo caminho do colega e cobrou do Congresso Nacional, o debate acerca do papel da polícia no Brasil pós-ditadura. “A formação dada às polícias militares de todo o País, é a mesma formação do período da ditadura e está completamente fora do ambiente democrático que o País vive”, disse. “Eles (policiais) não sabem viver com qualquer tipo de manifestação democrática”, emendou.
Críticas ao governo Beto Richa
Único representante do governo do Paraná presente na audiência pública, Edson Lau Filho, assessor Especial de Políticas Públicas para a Juventude do estado, apenas leu uma carta que fazia a defesa do projeto de lei aprovado pela Assembleia do Paraná que mexeu com a previdência dos servidores.
Além disso, o texto lido por ele defendeu a mesma tese adotada pelo governador Beto Richa, de que ativistas e black blocks iniciaram a violência. Além disso, Edson Lau pediu muito cuidado com o tema aos parlamentares, porque “os sindicatos são mestres na arte da propaganda, do drama e da vitimização emocional”.
O senador PauloPaim lamentou profundamente o fato de o governador Beto Richa enviar apenas um assessor para acompanhar a audiência. “É um equívoco histórico cometido pelo governador. Seria muito mais importante, inclusive para o governo do Paraná, que tivesse enviado, no mínimo, um secretário de Estado”, criticou.
A senadora Gleisi Hoffmann também criticou a posição do governo do Paraná perante a audiência pública e foi enfática na defesa de uma séria apuração daqueles que cometeram excessos contra os professores.
“Reafirmo minha solidariedade a todos os envolvidos, inclusive aos policiais militares que cumpriram ordens. Não podemos colocá-los como bodes expiatórios nessa questão e temos, sim, de responsabilizar quem os ordenou. As responsabilidades desses atos devem cair sobre quem ordenou aquelas ações”, disse.
Para Gleisi, a culpa pelo ataque proferido aos professores não pode penalizar apenas soldados da corporação, que cumpriram ordens vindas de cima. “Precisamos ter todos os esclarecimentos e as devidas responsabilizações”, salientou.
Outro parlamentar que fez críticas ao governador do Paraná foi o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS). Para ele, Richa acabou politizando a questão ao vir a público, no dia seguinte ao ocorrido, e não admitir que a Polícia Militar tenha cometido erros na condução da manifestação.
“Ao invés de ele admitir que, de fato, houve excessos, ele vai a público afirmar que a culpa foi toda dos manifestantes. Assim, ele trouxe para o seu colo toda a responsabilidade pelo que ocorreu”, disse.
Antonio Bosi, do sindicato dos Docentes da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (ADUNIOESTE), acusou o representante do governo do Paraná de tentar inverter os fatos e colocar a culpa dos excessos cometidos nos professores. “Quem detém o monopólio da força nesse caso, é o Estado. Não somos nós”.
Relatos do último dia 29
Hermes Silva Leão, professor e representante de Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Estado do Paraná, afirmou que, por pouco, trabalhadores não morreram na ação policial que reprimiu professores. Ele também criticou o governador e o secretário de segurança pública do estado, deputado federal Fernando Francischini (PSDB), que classificaram a manifestação como um evento partidário com intuito de desgastar o governo. “Aquilo é uma inverdade”.Professora Luzia: é costume do governo paranaense tratar os professores com a força policial
Luzia Marta Belini, professora e representante de Sindicato dos Docentes da Universidade Estadual do Paraná (SESDUEMA), disse que é costume do governo paranaense tratar os professores com a força policial. Ela lembrou que, em 1988, o então governador e atual senador Álvaro Dias (PSDB) ordenou que a cavalaria da PM atacasse professores que reivindicavam melhores salários.
De acordo com o senador Roberto Requião, a tropa de choque da polícia militar estava armada com fuzis e metralhadoras, além do armamento considerado não letal. O senador e alguns professores também relataram a presença de atiradores de elite localizados no topo de alguns prédios que ficam ao redor da Assembleia. “Aquilo tudo era para proteger o prédio da Assembleia de quem? Dos professores?”, questionou o senador.
Cinegrafista escapou por três centímetros
Luiz Carlos de Jesus, repórter cinematográfico da TV Bandeirantes do Paraná, que foi mordido por um cão da raça Pit Bull da Polícia Militar, em depoimento emocionado, relatou que está vivo hoje, por pura sorte. Caso a mordida em sua perna tivesse sido apenas três centímetros mais acima, os médicos disseram que ele teria falecido durante a manifestação. “Aqui eu represento um trabalhador, que estava com uma câmera na mão e foi covardemente agredido. Ainda tenho que ouvir o governador e o secretário de segurança dizer que eu pisei no cachorro. Se eu sou o culpado, então me coloque na cadeia”, argumentou.
Segundo ele, sua filha, que tinha o sonho de ser policial militar, disse que não quer mais trabalhar como policial, que ela não quer jogar cachorros pra cima de ninguém.
De acordo com Luiz, ele presenciou cenas que mais pareciam com uma guerra. Segundo ele, bombas de efeito moral foram arremessadas de helicópteros e atiradores de elite atiravam de cima dos prédios. “Colegas de trabalho que estavam ao meu lado choravam ao presenciar trabalhadores apanhando daquela forma”, disse.
Encaminhamentos da comissão
O senador Paulo Paim, ao final da audiência pública, relatou que, aproximadamente 400 pessoas entraram em contato com a Comissão de Direitos Humanos pelos meios de comunicação do Senado. Todas as manifestações da sociedade, segundo ele, recriminaram a atuação da PM do Paraná contra os professores.
Paulo Paim ainda anunciou que a CDH tentará construir um projeto de lei, mediante a provocação de alguma entidade, com a finalidade de proibir a utilização de armas letais, não letais e de cães em manifestações públicas.
Por solicitação da senadora Gleisi Hoffmann, a comissão também irá representar ao Sistema Internacional de Direitos Humanos para denunciar os fatos ocorridos.
O colegiado também encaminhará as notas taquigráficas da audiência para a Presidência da República, Ministério da Justiça e Governo do Paraná e uma solicitação para que os fatos sejam apurados e os responsáveis punidos.
Rafael Noronha
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