No primeiro ano após a sua privatização, a Eletrobras cortou 21% do seu quadro de funcionários. Ao todo, foram 2.348 desligamentos por meio de programas de demissão voluntária desde o terceiro trimestre de 2022. A demissão de profissionais qualificados, o enxugamento dos gastos com pessoal e a maximização do lucro da empresa sem preocupação com a forma como ela vem estão entre os fatores que explicam casos como o que ocorreu em São Paulo. Após seis dias, parte dos clientes da empresa privada Enel continuam sem acesso a um direito básico: acesso ao fornecimento de energia elétrica.
O tema foi debatido nesta quinta-feira (9/11) na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado por iniciativa do senador Paulo Paim (PT-RS), presidente do colegiado.
“Eu vi no caso de São Paulo, por exemplo, pessoas desesperadas com seus alimentos estragando. Não apenas em suas casas, mas em supermercados e outros estabelecimentos. A interrupção tem impacto negativo na saúde das pessoas. Falhas no fornecimento de energia podem prejudicar o acesso dos cidadãos a pontos vitais de suas vidas”, apontou o senador.
O enxugamento “radical e agressivo” do quantitativo de trabalhadores no quadro da Eletrobras é especialmente grave no momento em que o Brasil atravessa, com a ocorrência de uma série de eventos climáticos extremos. Para Clarisse Ferraz, representante do Instituto Illumina, esse grau de precarização vai além de trazer prejuízos aos clientes das companhias de fornecimento: também apresenta risco para a vida dos trabalhadores.
“Por que demora tanto para se restabelecer [o fornecimento]? Porque não tem trabalhador. O setor elétrico precisa ter gente estabilizada, qualificada e que aprofunde sua qualificação, sobretudo nesse ambiente de transformação tecnológica. Esse país precisa de uma política energética e precisa de uma empresa que esteja a serviço da economia nacional e da população”, declarou.
O ex-senador Roberto Requião disse não ser possível acreditar no futuro do Brasil sem que o governo tenha o controle de áreas estratégicas para a manutenção de sua soberania. Ao vender empresas do setor de energia, o país coloca em risco o seu próprio desenvolvimento.
“Não posso acreditar no sucesso do governo brasileiro sem o controle da soberania. E o controle da soberania depende do controle das empresas estratégicas monopolistas de energia. Petrobras, Eletrobras. Elas precisam seguir uma proposta de desenvolvimento nacional”, disse.
Ex-deputado federal constituinte e coordenador do Fórum em Defesa da Eletrobrás, Vivaldo Barbosa aponta que o processo de privatização da Eletrobras vai contra a própria ideia de criação da empresa, ainda no governo João Goulart.
“A luta da Eletrobras tem diversos significados. Mas uma das questões fundamentais é que ela foi concebida para ser um dos eixos de sustentação da nação brasileira, para o país ter o domínio da energia. A história não vai perdoar a quem está levando o país para esse descaminho”, enfatizou.
Clarisse Ferraz também alertou para o risco de o Brasil ter seu processo de reindustrialização prejudicado em decorrência da privatização da Eletrobras. Para ela, o país só será bem-sucedido nessa tarefa se tiver novamente bases energéticas bem estabelecidas e voltadas para o atendimento desse objetivo. O que dificilmente ocorrerá com a empresa sob controle da iniciativa privada.
“Não há projeto de desenvolvimento nacional se não há um setor elétrico bem estruturado, energia segura e limpa”, afirmou.
Privatização foi desenhada para prejudicar o governo
A fórmula utilizada para efetivar o processo de privatização da Eletrobras também foi alvo de críticas dos convidados da audiência pública. No mês de junho deste ano, a Advocacia-Geral da União (AGU) abriu processo no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que a Corte considere inconstitucional o trecho da lei que autorizou a venda da estatal e proibiu que acionistas detenham mais de 10% do poder de voto na companhia após a operação.
A União, antes da privatização, feita em junho de 2022, pelo governo de Jair Bolsonaro, detinha cerca de 65% das ações ordinárias da Eletrobras – as que dão direito a voto em assembleias que decidem questões-chave sobre a empresa. Levando em conta essa participação no capital social da empresa, ele tinha também 65% dos votos nessas assembleias. Controlava, portanto, a companhia.
No processo de privatização, a Eletrobras realizou uma capitalização – processo no qual uma companhia emite novas ações. Com mais ações circulando no mercado, o governo acabou reduzindo sua participação na empresa a 43%. Por conta da lei, os 43% de participação no capital, que o governo detém, não garantem poder de voto correspondente. O governo vota como se tivesse só 10% das ações. O desgoverno Bolsonaro defendeu esse modelo de entrega total da companhia.
“Aqui a finalidade do modelo adotado foi justamente neutralizar a participação do governo nas decisões da companhia”, denuncia o advogado Claudio Pereira Souza Neto.