Jorge Viana: “Não há nenhum radicalismo em querer tirar direitos do setor produtivo. O que fiz foi garantir direitos às populações tradicionais”Os interesses de cerca 4,5 milhões de pessoas que fazem parte das comunidades tradicionais brasileiras estão preservados na discussão do novo Marco da Biodiversidade (PLC 2/2015). Como relator da Comissão de Meio Ambiente (CMA), o senador Jorge Viana (PT-AC) conseguiu aprovar, nesta quarta-feira (25), o texto que vai pautar o debate sobre o projeto no plenário do Senado, na próxima terça-feira (31).
“Não há nenhum radicalismo em querer tirar diritos do setor produtivo. Todos os pontos vinculados ao agronegócio estão preservados. O que fiz foi garantir direitos ao objeto desta legislação, que são as populações tradicionais”, esclareceu Viana ao apresentar o relatório, nessa terça-feira (25).
Representadas por caboclos, caiçaras, extrativistas, indígenas, pescadores, quilombolas e ribeirinhos, as comunidades tradicionais ocupam 25% do território nacional. Além de naturalmente protetoras do meio ambiente contra predadores, elas são detentoras de saberes, passados de geração em geração ao longo dos séculos, com alto potencial econômico e que têm sido, historicamente, explorados inadequadamente. O uso do conhecimento tradicional dificilmente é revertido em ganho financeiro a seus detentores.
Essa distorção é corrigida por Jorge Viana. Dentre as 15 alterações que promoveu no texto aprovado na Câmara dos Deputados, cinco são diretamente nos dispositivos que regulam a repartição dos benefícios. O petista aprimora o projeto retirando os entraves para a formalização de contratos entre os desenvolvedores de tecnologia e as comunidades, ao mesmo tempo em que dá mais proteção ao saber sobre ervas e extração de raízes, por exemplo.
De acordo com o projeto, a exploração econômica do conhecimento tradicional, assim como dos recursos naturais a que se refere, deve incorrer em 1% do valor da receita liquida anual obtida com a comercialização. Este percentual pode ser reduzido para até 0,1%, a depender do acordo setorial celebrado com a União.
Nos últimos 15 anos, apenas 110 contratos de repartição de benefícios foram firmados no Brasil. Desses, somente um foi celebrado com uma comunidade indígena.
Ruralistas atuam para impedir avanços
As melhorias construídas por Viana não agradaram os representantes da bancada ruralista. Eles trabalharam para não acatar nenhuma das 158 propostas de alteração do projeto, apresentadas por diversos senadores. O que se efetivou na votação da última quinta-feira (19), quando a Comissão de Agricultura (CRA) aprovou o projeto tal qual veio da Câmara dos Deputados, contrariando a posição dos representantes do governo, sociedade civil e pesquisadores que estiveram no Senado discutindo a proposição.
Na Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT), o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), mesmo não sendo membro, tentou impedir que o relatório de Telmário Mota (PDT-RR) fosse aprovado, na manhã dessa quarta. Ele questionou o uso do termo “povos indígenas” ao invés de “populações indígenas” no texto.
“O termo povos é reconhecido internacionalmente, inclusive pela OIT [Organização Internacional do Trabalho]”, rebateu Temário, acusando o colega de parlamento de forçar uma discussão periférica, a fim de confundir o debate. “O que percebo são as forças produtivas tentando prejudicar de verdade aqueles que são detentores do conhecimento, que são as comunidades tradicionais; as comunidades indígenas”, completou, antes do PLC 2 ser aprovado por unanimidade na CCT.
Insatisfeito, Caiado apresentou a mesma confusão de conceitos para atrasar a votação na CMA. Disse ainda que discordava de 10 alterações realizadas por Viana. O petista, negociando um acordo, combinou com o ruralista a suspensão da votação por duas horas, para esclarecer os pontos de não convergência. Quando a reunião foi retomada, Caiado apresentou destaques pedindo a rejeição de apenas três pontos do relatório: dois deles alterando a repartição dos benefícios e o outro sobre a terminologia dos índios. Todos os destaques foram derrotados pela maioria plena da comissão.
Enquanto a CMA ainda votava pela rejeição de outros dois destaques, dos senadores Reguffe (PDT-DF) e João Capiberibe (PSB-AP); o senador Douglas Cintra (PTB-PE), relator da matéria na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), cedeu à pressão de Ronaldo Caiado e quebrou o acordo que tinha estabelecido com Viana. Douglas havia se comprometido a apresentar um relatório semelhante ao da CMA, mas não incluiu no seu texto as normativas criticadas pelo ruralista.
Com a aprovação de quatro relatórios diferentes, a votação do Marco da Biodiversidade em plenário promete um duro embate. O parecer da CMA tem prioridade por se tratar da comissão de mérito da matéria, mas isso não impede que as emendas acatadas em todas as comissões sejam discutidas uma a uma.
O Marco
O Marco da Biodiversidade nasceu da preocupação de impulsionar o aproveitamento da biodiversidade brasileira. O governo federal detectou que a legislação em vigor (Medida Provisória 2.186-16/2001), criada para conter a biopirataria, acabou por desestimular o desenvolvimento de pesquisas científicas e tecnológicas acerca do patrimônio natural e das comunidades tradicionais brasileiras, em função da burocracia e do excesso de restrições.
Em números, isso quer dizer que o País G1 em biodiversidade e detentor da 13º colocação no ranking de publicações científicas do planeta não produz nem 5% do conhecimento científico e do reconhecimento acadêmico dessa riqueza nacional. O que reflete diretamente na nossa economia, cuja base são commodities que sequer fazem parte do nosso recurso natural.
“O Brasil tem 20% da biodiversidade do planeta. É um dos maiores produtores do agronegócio do mundo. Mas a maior parte da nossa produção é de espécies exóticas. Cana-de-açúcar, soja, café, boi Nelory, frango, nada disso são espécies nativas do Brasil. Não usamos a nossa biodiversidade para quase nada”, ponderou o senador Jorge Viana.
Catharine Rocha
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