Com empate, STF suspende decisão sobre uso do amianto

Os diferentes pontos de vista e teses sobre a produção e uso do amianto no Brasil foram tema de julgamento iniciado na última quarta-feira (31/10), no Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte iniciou análise das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) contra leis estaduais que proíbem a utilização da fibra em São Paulo e no Rio Grande do Sul. A sessão foi encerrada quando o placar registrava empate de 1 voto a 1.

Apesar dos benefícios da substância para a economia nacional – como geração de empregos, exportação, barateamento de materiais de construção -, estudos comprovam que a substância, além de ser cancerígena, causa danos ao meio ambiente.

As ações que estão em análise do Supremo questionam o fato de as leis estaduais se sobreporem à norma nacional que regulamenta o uso do amianto. A Lei Federal 9055/95 permite o uso controlado do amianto tipo crisotila, proibindo as demais variações da fibra. Já nos estados em questão, as leis estaduais determinam a proibição total.

Posição favorável
Para o ministro Carlos Ayres Britto, relator da ação envolvendo o Rio Grande do Sul, as leis estaduais não concorrem com a lei federal, mas apenas complementam seu sentido. “A União não tem dignidade maior que os estados para sair em defesa do meio ambiente, da saúde e do consumidor. A diferença não é de qualidade, mas de escala, no caso, geográfica”, disse. Ayres Brito ainda relativizou a tese de que as leis estaduais prejudicaram a garantia da livre iniciativa. “A lei que consagra a livre iniciativa, também consagra a proteção do consumidor e do meio ambiente”. O ministro assinalou que foram estipulados prazos para que os estabelecimentos se adequassem ao fim do amianto “serenamente”.

Ainda segundo ele, não há como declarar a inconstitucionalidade de uma norma que se aproxima da convenção da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil, que recomenda a eliminação do uso da fibra, que ele classificou como “fábrica de adoecimento”.

Contrária
Em voto de contraponto, Marco Aurélio Mello, relator da ação envolvendo São Paulo, disse que as unidades da federação não podem aprovar leis que desafiam regras nacionais. “Imagine que estados comecem a digladiar sobre os mais diversos produtos, sobre critérios científicos dos mais diversos, em casos que exigem uniformização”.

Para Marco Aurélio, embora estudos médicos apontem que o amianto é cancerígeno, o Poder Público não deve proibi-lo e sim minimizar danos. “Admito que representantes do Congresso Nacional possam fazê-lo [proibir o amianto], mas não o Judiciário e o Supremo. Não pode haver premissa jurídica para tirá-lo do mercado, sob risco de inviabilizar a vida em sociedade, apenas porque o poder público tem incapacidade de fiscalizar de modo efetivo”. Segundo Marco Aurélio, a suposição de que as empresas usarão o amianto de maneira indevida “é esperar o exorbitante, que foge ao comum da vida”. Ele argumentou que, seguindo o mesmo conceito de danos em casos de exceção, o país também terá que banir o lixo tóxico, armas de fogo, facas e veículos automotores.

O ministro reforçou que o Estado precisa de medidas eficazes para reduzir o dano à exposição do material, cuja abolição traria sérios prejuízos para a economia nacional, tanto para produtores quanto para consumidores. “Se for proibido esse produto, a porta deve ficar aberta para proibir ‘n’ produtos, aí poderemos voltar à época da caverna”.

“Achismo”
Embora não tenha adiantado o voto, o ministro Gilmar Mendes pediu um aparte para dizer que a Corte não pode sempre optar pela saída que oferece, em tese, maior proteção. “De boa intenção o inferno está cheio, por isso é importante ter cuidado com a legislação. Por isso a importância da audiência pública, senão podemos substituir o achismo do legislador pelo nosso achismo e, se é para dar palpite, melhor que seja do legislador. Ele faz um experimento e, se der errado, ele volta atrás”.

A sessão se estendeu até as 21h45 e foi suspensa por falta de quorum.  Não há previsão de data para retomada do julgamento.

Situação nos estados
Atualmente, cinco estados brasileiros proíbem a extração, comercialização e uso do amianto: São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Rio de Janeiro e Mato Grosso. No Paraná e na Bahia, também já há movimentação nas casas legislativas estaduais para eliminar a fibra. Goiás é o estado com a maior mina em produção atualmente, localizada na cidade de Minaçu.

O amianto está totalmente banido em 66 países. No Brasil, ele já é proibido em São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI) entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra as leis estaduais, excetuando-se a de Mato Grosso. Alegam que o estado não pode legislar sobre a questão, já que existe a lei federal, a do uso controlado, e que haveria, assim, invasão de competência, sendo prerrogativa exclusiva da União legislar sobre a matéria.

O que é o amianto?
O amianto é uma fibra mineral natural bastante fina e durável, usada na construção civil como revestimento e isolante em coberturas, telhados e galpões.

O amianto foi considerado cancerígeno pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1977. O órgão atesta que um terço dos cânceres ocupacionais são causados pela inalação das fibras. Em 1986, uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, já pregava o fim do uso do amianto.

Prejuízos à saúde
O amianto está associado a vários problemas de saúde. No curto prazo, um ou dois anos, pode reduzir a capacidade respiratória devido a um processo inflamatório.

Em geral, depois de 10, 15 anos de exposição, o mineral assassino (como é conhecido), pode alterar a estrutura do pulmão, causando a asbestose, ou fibrose pulmonar. O pulmão “endurece”, perdendo progressivamente a sua capacidade de se expandir. Provoca falta de ar, dor nas costas, cansaço, emagrecimento. Não tem cura, mesmo que a pessoa nunca mais entre em contato com amianto. Leva lentamente à morte.

No longo prazo, o amianto pode promover alterações nas células, causando câncer de pulmão. Leva 25 a 30 anos para se manifestar. A pessoa exposta ao amianto e, ao mesmo tempo, fumante tem 57 vezes mais probabilidade de ter esse tumor maligno do que quem não está nessas duas situações. É que o  amianto e o tabaco têm efeito sinérgico: um potencializa o malefício do outro. Também pode induzir ao mesotelioma de pleura (membrana que reveste o pulmão), de peritônio (membrana que reveste a cavidade abdominal) e de pericárdio (membrana que recobre o coração). É um tumor maligno e extremamente agressivo, incurável e fatal e pode aparecer 35, 40 e até 50 anos após o primeiro contato com o amianto.

“O amianto não é apenas questão de saúde ocupacional; é problema de saúde pública, também”, acrescenta. “Estudos epidemiológicos indicam que parte das pessoas atingidas pelo mesotelioma tem história de exposição direta, explícita. Mas outra parcela, não; neste caso, as evidências são de exposição ambiental. Os mais suscetíveis, mesmo expostos em baixas doses, correm o risco de ter esse tumor maligno.”

Todas as formas e tipos de amianto são cancerígenos, inclusive a crisotila pura existente no Brasil. “Quanto mais o trabalhador fica exposto ao amianto, maior a probabilidade de ele desenvolver a doença. É mentira que exista dose segura para o câncer; a única quantidade que protege é a exposição zero. Mesmo que você se exponha por curto período e sob baixa dose ao amianto, pode vir a ter mesotelioma no futuro”, sustenta o médico pneumologista Hermano de Castro, coordenador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da Fiocruz.

Com informações de agências de notícias e do Viomundo
 

Conheça a Lei 9.055/95, que regulamenta a utilização do amianto no Brasil

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