Abril Verde

Debate expõe retrocessos na prevenção de acidente no trabalho

Especialistas criticaram medida que fragilizou normas de segurança e pediram ampliação de políticas do setor
Debate expõe retrocessos na prevenção de acidente no trabalho

Uma explosão no final da década de 1960 no estado da Virgínia, nos Estados Unidos, em que 78 trabalhadores morreram, precipitou um movimento internacional que levou à criação do Abril Verde, dedicado à reflexão sobre políticas de prevenção de acidentes de trabalho e de doenças ocupacionais. No Brasil, o Dia da Segurança e Saúde no Trabalho foi instituído por lei (Lei nº 11.121/2005) no governo Lula. O assunto foi tema de sessão de debates no Senado nesta quarta-feira (13), a pedido do senador Paulo Paim (PT-RS), ele próprio egresso de fábrica, onde atuou, entre outras funções, como técnico de segurança de trabalho.

Em 2022, o mote da campanha é a importância da notificação desses eventos para não invisibilizar o trabalhador. A preocupação faz sentido, porque há um consenso de que acidentes e doenças no meio profissional sofrem do mal da subnotificação. Pior ainda no Brasil cada vez mais informal, já que esses eventos só são comunicados quando a carteira está assinada. Marcia Kamei, da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho (Codemat) – criada também no governo Lula para articular ações do Ministério Público no setor –, afirmou que em alguns estados a subnotificação chega a um terço do total de ocorrências. Segundo Paulo Paim, do montante notificado, sabe-se que o Brasil teve 423 mil acidentes de trabalho em 2021, uma média de 1.160 acidentes por dia.

Representante do governo, o coordenador nacional da Campanha de Prevenção de Acidentes de Trabalho do Ministério da Previdência, José Almeida de Jesus, admitiu que a falta de eficácia nesse setor causa prejuízo de centenas de bilhões de reais ao ano para o país. Ele assegurou que acidentes e doenças no trabalho não interessam a ninguém. Mas ações do Planalto vão na mão oposta, explicou o procurador do Trabalho Luciano Leivas, que se disse perplexo com decisão do governo, no início do ano, de se posicionar contra a inclusão, na Organização Internacional do Trabalho (OIT), da segurança do trabalho como princípio fundamental da entidade.

Antes, em 2019, acrescentou Leivas, o governo brasileiro revogou a gestão da Política Nacional de Saúde e Segurança do Trabalho. Entre outros retrocessos, pequenas empresas ficaram de fora de campanhas no setor. Para ele, “a política de proteção ao meio ambiente do trabalho deve ser uma questão de Estado, e não uma norma infralegal determinada pelo governo de plantão”. É a opinião, também, do diretor de relações institucionais da Associação Nacional dos Procuradores e Procuradoras do Trabalho (ANPT), Bruno Martins Teixeira, para quem que as normas sobre meio ambiente de trabalho foram fragilizadas em 2019.

Mortes, lesões permanentes e sofrimento se somam a perdas econômicas, com dias sem produção e sem receita. A OIT estima que 4% do PIB mundial, ou cerca de US$ 2,8 trilhões, são perdidos por ano em razão de acidentes de trabalho. No Brasil, o INSS gastou R$ 120 bilhões com acidentes de trabalho nos últimos 10 anos. E em 2021, lembrou Paulo Paim, 134 mil casos necessitaram de tratamento e afastamento de mais de 15 dias no país. Todos os debatedores concordam que a prevenção é mais barata, e que não se trata de custo, mas de investimento.

Reestruturação do setor

Mas essa prevenção, também foi consenso, passa pelo fortalecimento dos órgãos e sistemas que cuidam do recebimento das notificações, como é o caso da vigilância epidemiológica e das unidades de saúde, e da melhor utilização dos dados para orientar essa política nacional. Na opinião de Débora Raymundo Melecchi, secretária de Saúde da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), “é preciso reforçar o SUS e qualificar a atenção primária, a vigilância, com cobertura descentralizada, recuperar leitos de hospitais universitários e retomar a gestão pública e participativa”.

“Não podemos olhar apenas as árvores, nós precisamos enxergar a floresta”, receitou a também farmacêutica Débora Melecchi. Foi o que fez a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), que avaliou o problema dentro de outro maior: ao desmontar políticas sociais e conquistas do trabalhador, como no caso da reforma da Previdência, o governo atual aposta na morte.

“O Brasil virou um dos poucos países que não têm aposentadoria especial. Os mineiros, por exemplo. Não tem pulmão que suporte mais de 15 anos no subsolo, está comprovado. Temos nossos cientistas, que atuam em laboratório envolvidos com vírus, e se encontram no mesmo nível de exposição, como também eletricitários. No Brasil, vivemos uma precarização e uma falta de respeito ao trabalhador. Temos 2 milhões de trabalhadores na fila da Previdência, que está sucateada. Vemos a redução sucessiva de orçamento da Saúde e a desnutrição de crianças. Quantos brasileiros passam fome nesse instante em que estamos aqui debatendo? Não são mortes evitáveis? Não conheço nada que gere riqueza que não seja o trabalho, e quem gera riqueza são os trabalhadores. Por isso, nós, trabalhadores, não vamos baixar a cabeça, não vamos desesperançar, vamos mostrar à população que é necessário colocar no Congresso quem defende o trabalho, quem defende a vida” – conclamou Zenaide Maia.

Entre essas mazelas, a sessão debateu a multiplicação do trabalho precarizado, como o dos terceirizados e dos entregadores de aplicativos. “Jornada é questão de saúde”, lembrou Ana Luíza Horcades, auditora-fiscal do Trabalho, que cobra legislação que proteja esses profissionais.

“Empreendimentos de até 20 empregados são dispensados de controle de jornada. Já o teletrabalho permite o controle por produtividade, mas não tem qualquer preocupação com jornada”, protestou. E quando a lei existe, não é possível cumpri-la, denuncia a auditora-fiscal e coordenadora de Fiscalização de Estabelecimentos de Saúde no Rio de Janeiro. “Como realizar a fiscalização prevista em lei com um corpo de servidores que, ontem, era de 2001 auditores-fiscais para todo o Brasil?”

Para provar que há muito o que recuperar em conquistas e mais ainda para resgatar em direitos mínimos, o líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA), chamou a atenção para a condição de trabalho nos lugares mais distantes, principalmente na floresta.

“Criamos, quando eu era deputado, a Lei de Combate ao Trabalho Escravo, que já libertou 81 mil pessoas que estavam em regime de escravidão ou em situação análoga à escravidão, uma questão que é muito importante até os dias de hoje na Amazônia. Por isso, o Abril Verde é um momento fundamental para refletir sobre o progresso sustentável e sobre as melhores condições para os trabalhadores e, assim, buscar essas soluções”, completou o senador.

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