A renovação da política de cotas para ingresso no serviço público foi aprovada nesta quarta-feira (24/4) pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado com 16 votos favoráveis e 10 contrários à medida. A proposta de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS) foi modificada durante a tramitação pelo relator na CCJ, senador Humberto Costa (PT-PE), por isso o texto ainda passará por nova votação no colegiado, em data ainda a ser marcada, antes de seguir para a Câmara dos Deputados.
O projeto de lei (PL 1958/2021) amplia de 20% para 30% a reserva de vagas para pessoas negras em concursos públicos e nos processos seletivos simplificados. A reserva valerá ainda para indígenas e quilombolas, de maneira semelhante à ação afirmativa já existente nas universidades federais.
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A atual legislação que disciplina o ingresso por meio das cotas no serviço público expira no próximo dia 9 de junho. A não aprovação da proposta e a devida transformação em lei poderá gerar insegurança jurídica nos certames em vigor, dentre eles, o Concurso Nacional Unificado (CNU).
“Não estamos debatendo se vai ou não ter cota. As cotas no serviço público já existem há dez anos. Esse projeto só precisa ser aprovado com brevidade porque a legislação expira em 9 de junho. Se até lá não for aprovado o novo texto, teremos um conflito enorme na área dos concursos públicos”, alertou o senador Paulo Paim durante a discussão na CCJ.
Ação afirmativa x discurso reacionário
A bravata da “meritocracia” voltou à tona nos discursos contrários à proposta proferidos pelos membros da oposição. Parte dos oposicionistas chegou a afirmar que a política de cotas formaria profissionais de “segunda classe”, repetindo o discurso vazio de que cotistas seriam admitidos no serviço público sem passar por um critério de avaliação como os demais concorrentes dos certames.
Em resposta aos discursos carregados de preconceito – por vezes chegando perigosamente perto de falas supremacistas brancas – da oposição contra a política de cotas, senadores apontaram a necessidade da aplicação da chamada “discriminação positiva” para que os serviços públicos, a exemplo do que vem sendo feito nas universidades públicas, representem a diversidade do conjunto da sociedade brasileira.
“As cotas têm dado resultado. A representação desses segmentos no serviço público aumentou. Só que não aumentou o suficiente para o serviço público ser um espelho da proporção que existe na sociedade. Temos que buscar isso, e, no momento que alcançarmos, as cotas deixarão de ser necessárias”, destacou o senador Humberto Costa.
“A política de cotas não se destina a resolver o problema individual daquela pessoa. Ela se destina a melhorar a nossa condição como sociedade em geral. E ter a presença da diversidade nos cargos e espaços de poder, melhora a sociedade”, defendeu o senador Alessandro Vieira (MDB-SE).
Combate ao racismo
O senador Fabiano Contarato (PT-SE) citou um recente caso de racismo enfrentado por um enfermeiro negro no interior de São Paulo que teve seu atendimento recusado por um paciente apenas por ser negro. Joelson Nascimento foi agredido verbalmente pelo paciente na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) que se recusou ser atendido por uma pessoa “como ele”.
“Qual foi o último médico negro pelo qual você foi atendido? Qual foi o último advogado negro que te atendeu? Nesta Casa, qual a etnia dos servidores terceirizados que servem o cafezinho, de quem está na segurança desses prédios públicos? Isso é questão de representatividade. É essa a essência do projeto. Ele não está vinculado com questão econômica, está vinculado com a reparação histórica”, apontou Contarato.
“Essa é uma reparação histórica. Não basta abolir a escravidão se não temos políticas públicas para dar vida, vez e voz a essa igualdade tão almejada na carta constitucional”, emendou o senador.
O senador Paulo Paim ainda destacou o fato de o racismo ter sido abolido no Brasil há apenas 136 anos e, mesmo assim, não houve nenhuma política pública no país para que houvesse a inserção dessa população na sociedade.
“Um dia meu filho me perguntou por que nunca viu uma grande fazenda gerida por um negro. Por que não tem? É por que os negros não gostam da terra? É porque as terras foram entregues aos imigrantes que vieram [para o Brasil] após a abolição da escravidão. E para os negros nem o direito de estudar foi dado”, disse Paim.
Detalhes do projeto
A reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas for igual ou superior a dois. Além da reserva para negros, a proposta também estabelece que caberá ao governo regulamentar critérios e percentuais para as cotas de indígenas e quilombolas.
De acordo com a proposta, as pessoas negras que optarem por disputar o concurso pelas cotas também vão concorrer, ao mesmo tempo, às vagas em ampla concorrência.
A classificação ocorrerá nas duas modalidades. Na hipótese de o candidato ser aprovado e nomeado na disputa por ampla concorrência, o preenchimento da vaga não será computado como parte da cota para negros. Na prática, a classificação dentro da lista de reserva será desconsiderada e passará para o seguinte.
Para ser considerada apta a disputar vagas na reserva, a pessoa terá que se autodeclarar preta ou parda, e apresentar características fenotípicas que “possibilitem o seu reconhecimento social como pessoa negra”.
Segundo o projeto, os editais de concursos deverão estabelecer procedimentos complementares para confirmar a autodeclaração.
Em casos de fraude ou má-fé, o órgão responsável pelo concurso deverá abrir um procedimento administrativo, que poderá levar à eliminação do candidato ou à anulação da nomeação ao cargo público.