Valas clandestinas

CDH debate falhas na lei e na identificação de desaparecidos

Jornalista que revelou o caso fala que pode haver mais valas; e promotora cobra lei de combate a desaparecimento forçado
CDH debate falhas na lei e na identificação de desaparecidos

Foto: Alessandro Dantas

O senador Humberto Costa (PT-PE) abriu a audiência afirmando que a descoberta de 45 valas clandestinas em São Paulo e Rio de Janeiro, com 201 cadáveres, revela uma prática típica da ditadura, “uma das piores fases de nossa história”.  Mas esse tipo de ação, continuou o senador, “remanesce nas periferias de nosso país, sob a força de um poder paralelo que é responsável pelo julgamento e sentenciamento das pessoas, um tribunal do crime”.

“O Congresso brasileiro não pode silenciar diante de tamanho absurdo, de tamanha barbárie, é impensável que essas forças paralelas estejam agindo com as próprias mãos, criando suas próprias, leis, como se fossem donos dessas comunidades. É aterrorizante pensar que a maioria das vítimas dessa brutalidade jamais teve a identidade descoberta, que as famílias dessas pessoas jamais saberão o que houve com seus entes queridos”, completou o presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH).

A jornalista Amanda Rossi, uma das autoras da reportagem publicada pelo portal UOL, afirmou que a investigação a leva a pensar que se atingiu apenas “a ponta de um iceberg”. Segundo Amanda, “existem elementos concretos que mostram que existem muito mais valas clandestinas, não só em São Paulo e Rio de Janeiro”, detalhou, explicando que ações do crime organizado descobertas no Sudeste costumam se espalhar pelo país. Isso sem contar o número de denúncias de desaparecidos, acrescentou Amanda, outro indício de que o número de valas, e de cadáveres enterrados clandestinamente, é muito maior.

A falta de identificação das ossadas é outro importante passivo nesse caso. Apenas em uma das valas foram encontradas 27 ossadas, afirmou Amanda, “e 22 não foram identificadas”. Outro iceberg. Em todo o Brasil há 26 mil corpos à espera de identificação depositados em órgãos como o Instituto Médico Legal.

“Esses são restos mortais que poderiam passar por análise de DNA e serem incluídos no Banco de DNA, que foi criado exatamente para ajudar a solucionar crimes e identificar pessoas desaparecidas. É um passivo vergonhoso para o país”, apontou a jornalista, que acrescentou outro problema: a fragilidade dos registros nas bases de dados policiais.

O que a repórter assimilou na cobertura é sentido no dia a dia pela promotora Eliana Vendramini, coordenadora do Programa de Localização e Identificação (PLID) no Ministério Público do Estado de São Paulo. Ela cobrou a aprovação definitiva de projeto (PL 245/2011) que tipifica o crime de desaparecimento forçado de pessoa, com penas que podem chegar a 40 anos de reclusão. A proposta, aprovada em 2013 no Senado, e que desde então está na Câmara dos Deputados, adequa a legislação nacional à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos e à Convenção Interamericana sobre Desaparecimentos Forçados.

Segundo Eliana, a falta dessa lei dificulta a ação das autoridades e prejudica a população: “pelos indícios que se colhem, os desaparecimentos são cometidos por grupos armados ou milícias. Se ficar provado que é de forma sistemática, é um crime contra a humanidade. Aqui ficamos nas mãos do tipo penal de sequestro. Isso é uma vergonha. O Brasil acaba provando que não se importa com o desaparecimento de pessoas”.

Humberto Costa disse que vai averiguar o andamento do projeto para tentar acelerar sua votação. Para o senador, o problema dos desaparecimentos de pessoas e da ocultação de cadáveres é uma “ferida aberta” no país.

Eliana Vendramini cobrou também a criação de bancos de dados regionalizados sobre desaparecidos. “Os policiais deveriam ter a possibilidade de identificação genética”, destacou, explicando que com isso seria possível fazer uma lista e, a partir daí, chamar famílias interessadas até a vala encontrada. “Quando se enterra um corpo sem identificação, enterra-se também a investigação do homicídio”, finalizou.

Outra convidada, a presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Silvia Virginia Silva de Souza, avalia que o Congresso também pode colaborar cobrando soluções das demais autoridades. Ela apontou que não há uma estratégia de segurança pública para busca ativa das valas clandestinas. “É importante que olhemos para essa deficiência. As pessoas que foram desaparecidas forçadamente têm direito à memória e à verdade”, cobrou.

Atos antidemocráticos

Antes da audiência pública, Humberto Costa comentou as manifestações antidemocráticas ocorridas no Dia dos Trabalhadores e das Trabalhadoras. Para o senador, as forças de extrema direita, de maneira desrespeitosa, utilizaram o 1° de Maio para afrontar a democracia, defender o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF), defender a intervenção militar “e para prestar homenagens a um meliante, que mesmo sendo deputado federal, desrespeita Constituição, defende a ditadura e o Ato Constitucional n° 5, além de debochar  do papel fundamental que cabe à justiça no nosso país”, afirmou, em referência ao deputado condenado pelo STF, o aliado de Bolsonaro Daniel Silveira.

“Eu quero registrar aqui o meu repúdio, não só a essas manifestações que pregam o golpe. O presidente Bolsonaro, desde o primeiro dia de seu governo, maquina a possibilidade de transformar nosso país numa ditadura e ele ser consagrado ditador do Brasil. Mas o povo brasileiro não pode nem vai aceitar, nem golpe nem qualquer tipo de manobra. É o desespero do presidente da República que o faz defender pretextos para aplicar no Brasil um golpe. E esse desespero se dá porque ele sabe que vai perder as eleições, e a única maneira de não ser apeado do poder, já que ele vai perder as eleições, é criar um clima de medo, um clima de golpe, tentar utilizar as forças policiais e as Forças Armadas para seu intento, mas eu tenho certeza e convicção de que ele não conseguirá. Esse Congresso Nacional precisa se manifestar contra isso, quero parabenizar o presidente do Senado Federal, que disse com todas as letras que é inaceitável, que é uma anomalia reunirem-se centenas, milhares de pessoas para defender a ditadura, para defender o golpe, para defender a violência, para defender o fim da democracia no nosso país”, protestou o senador e presidente da CDH.

A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) também manifestou repúdio às manifestações golpistas travestidas de atos pela liberdade de expressão.

“Uma pergunta que não quer calar: o presidente de um país que têm 12 milhões de desempregados, 20 milhões com fome, e em que 77% das famílias estão endividadas, famílias que estão usando cartão de crédito pra compra de alimentos, combustível, botijão de gás, então, como um presidente, com um país de fome, de inflação pelas alturas, fica querendo criar toda semana uma polêmica fabricada? O desemprego, a carestia, a fome, são colocados de lado por esse governo, ficam de fora da preocupação dos poderosos desse país. Pois nós vamos continuar ao lado dos trabalhadores, das famílias, lutando por dignidade e melhora das condições de vida esse povo, que é esse o papel do Estado, e não criar criando arestas com os outros poderes”, completou a senadora potiguar.

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