Condenação internacional do golpe só faz crescer

Condenação internacional do golpe só faz crescer

O descrédito não é novidadeUm dos principais jornais do mundo, o francês Le Monde, surpreendeu seus leitores neste domingo (25) com uma sincera autocrítica e pedido de desculpas acerca de seu noticiário sobre a tentativa de golpe no Brasil. O responsável pelo diálogo com os leitores confessou que o jornal esteve mal informado no início da crise por “não ter explicado suficientemente a falta de pluralidade das mídias brasileiras”.

O descrédito não é novidade. O cenário de normalidade democrática que a imprensa brasileira vem repetindo diariamente cai por terra a cada correspondente ou jornalista estrangeiro que desembarca no Brasil para acompanhar a crise institucional. O impeachment com base legal se desfaz, entrando em seu lugar o golpe determinado por parlamentares comprometidos com a corrupção contra uma presidente sem qualquer acusação.

A desaprovação a Cunha, Michel Temer e os golpistas do DEM e do PSDB inconformados com a perda nas eleições de 2014 não se restringe a jornais progressistas ou de esquerda. O ultraconservador Miami Herald (EUA), que jamais foi acusado de simpatia por governantes de esquerda, publicou neste domingo editorial em sua primeira página para desmascarar o golpe e oferecer “alguns conselhos”, na condição de existir em “um país que sabe alguma coisa sobre impeachment” — referência ao processo de afastamento do presidente Richard Nixon, na esteira do escândalo Watergate, na década de 70. “Certifique-se de que [o processo de impeachment] trata de graves violações da lei, não de política”, recomenda o Herald.

E explica: “Para o exército de políticos sujos do Brasil, acusar uma presidenta fraca e impopular oferece uma distração fortuita de seus próprios crimes. Fornece um bode expiatório para matar a sede do público por justiça, colocando um grande nome para assumir a culpa pelos problemas do país e deslocando o foco para longe de legisladores corruptos. Dilma pode ser culpada de má administração da economia, mas suas mãos estão limpas no escândalo de corrupção. A única maneira de o Brasil pode sair mais forte é e continuar a contar com as instituições democráticas para julgar o crime e para retirar os legisladores corruptos do poder”, afirma o Miami Herald.

Também no fim de semana, vieram lambadas poderosa no golpe, como a reportagem do espanhol El País intitulada “O parlamento podre que julga a presidenta” e a capa da conservadora revista britânica The Economist, que aponta “A traição do Brasil”. Essas críticas vêm se somar à quase unânime manifestação de perplexidade de jornais respeitados de todo o mundo diante da ópera-bufa encenada na Câmara dos Deputados na votação da admissibilidade do impeachment, expondo ao planeta a vocação para república de bananas dos representantes das elites.

No dia seguinte à votação, The Irish Times (Irlanda) fuzilou: “Brasil escala os palhaços para votar o impeachment de Rousseff – Deputados comportam-se com o decoro de torcedores bêbados”, dizem a manchete e a linha fina da reportagem especialmente mordaz do periódico dublinense. O italiano La Repubblica denunciou a “articulação de falcões” entre “o vice, o sultão e o ex-concorrente” para derrotar Dilma. E afirma: “[A coordenação de Cunha] é o pacto com o diabo que a oposição a Dilma teve que aceitar para atingir seus objetivos. Em Brasília, Cunha é conhecido como “O Sultão”. Líder evangélico, é dono de 150 domínios na internet com a nome “Jesus”.  Anti-abortista furioso, Cunha — que, por sinal, tem cidadania italiana — apresentou projeto de lei para instituir o “Dia do Orgulho Heterossexual” e é famoso como militante da “Bancada da bala”, o grupo de parlamentares que pretende liberalizar a posse de armas.”

Entre os franceses, além do já citado Le Monde, Le Figaro recorreu à análise do professor emérito de Ciências Econômicas Kostas Vergopoulos, da Universidade de Paris-VIII, e ex-consultor das Nações Unidas e União Europeia, para quem a “destituição de Dilma” colocaria o Brasil na condição de “primeira vítima da mundialização”, já que o processo de impeachment teria mais relação com interesses econômicos do que com a política. Já o Liberation, no artigoDestituição para tudo”, nota que “Na esteira de um gigantesco escândalo de corrupção que envolve a todos os partidos do País, os parlamentares brasileiros estão a um passo de destituir Dilma Rousseff, que parece estar entre os poucos ocupantes de cargos eletivos a não ter participado do festim [de corrupção]”.

O alemão Die Zeit comentou, estarrecido a sessão de votação da Câmara: “Dificilmente se poderia adivinhar a gravidade da situação política, assistindo a longa sessão de votação [do impeachment] na Câmara dos Deputados, que mais parecia um Carnaval. Naquele dia politicamente fatídico para a sétima economia do mundo, parlamentares experientes passaram várias horas urrando, fazendo selfies e entoando cânticos. Um deles recorreu a um canhão de confetes”

Acesse os textos originais citados nesta matéria:

Le Figaro: Destitution de Dilma Rousseff : le Brésil, première victime de la mondialisation

Le Monde: Brésil: « Le Monde » a-t-il été partial?

Liberation: La destitution pour tous

La Repubblica: Il vice, il “sultano” e l’ex sfidante l’asse dei falchi che ha battuto Dilma

The Irish Times: Brazil sends in the clowns to vote on Rousseff impeachment

 

Die Zeit: Brasiliens politischer Karneval

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