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CPI revela trama de empresas envolvidas no escândalo Covaxin

Danilo Trento se manteve em silêncio durante quase a totalidade do depoimento, mas CPI expôs extensa relação de provas que vão desde transferências de dinheiro suspeitas até viagem para Las Vegas com presença ilustre de senador
CPI revela trama de empresas envolvidas no escândalo Covaxin

Foto: Alessandro Dantas

A CPI da Covid revelou uma trama de corrupção praticada por uma série de empresas, agentes públicos e um misterioso senador da República que voltou à cena durante o depoimento do empresário Danilo Trento, nesta quinta-feira (23).

Trento é suspeito de ter participado das negociações para fraudar uma licitação do Ministério da Saúde para a compra de testes rápidos e, posteriormente, da compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin, cuja contratação foi intermediada pela Precisa Medicamentos, empresa da qual ele é diretor institucional.

Oficialmente, a Precisa é de propriedade de Francisco Maximiano, mas alguns senadores desconfiam que o verdadeiro dono seja Danilo Trento.

O empresário chegou ao colegiado munido de um habeas corpus e decidiu permanecer em silêncio diante de praticamente todos os questionamentos que envolvem sua relação pessoal e comercial com outros investigados pela comissão.

O depoente, que é dono da Primarcial Holding e Participações, não conseguiu explicar aos senadores as atividades de sua própria empresa e, ao ser questionado, se recusou a responder como seria remunerado pela Precisa para exercer a função de diretor.

Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), em posse da CPI, registrou como atípicas transações milionárias entre a Primarcial e a 6M Participações, outra empresa de Maximiano. A CPI também identificou, e Trento confirmou, que a Primarcial tem sede no mesmo endereço de outras empresas de Maximiano, em São Paulo.

No emaranhado de transferências entre as empresas, os senadores chegaram até a XIS Internet Fibra, também de propriedade de Maximiano. A empresa contou com a interlocução do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) para obtenção de um financiamento junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Para a CPI, a empresa realizou movimentações financeiras de fachada para encobrir os rastros de crimes cometidos. “Por essas coisas que aumentou a percepção de que esse é um governo corrupto. As pessoas veem uma negociação dessa conhecida em detalhes e eles se recusam a explicar, sem transparência nenhuma. Foi essa gente que foi escolhida pelo presidente da República para comprar vacina [indiana] enquanto se rejeitava a Pfizer, o Butantan, a OMS. Ele [Bolsonaro] preferiu esse tipo de negociação”, criticou o relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Em outro momento do depoimento, Danilo Trento confirmou conhecer o senador Flávio Bolsonaro. Anteriormente, ele havia permanecido em silêncio quando questionado se conhecia algum membro da família do presidente da República. A postura de Danilo Trento gerou desconfiança nos senadores. “Estranho. Se isso não incrimina o cidadão, incrimina o presidente e a família. Muito estranho”, rebateu o senador Humberto Costa (PT-PE).

Após a insistência dos parlamentares, Danilo mudou a resposta por duas vezes. Primeiro, afirmou não conhecer “ninguém” da família do presidente. Depois, afirmou conhecer Flávio Bolsonaro de “eventos institucionais”.

Viagem para Las Vegas
O senador Humberto Costa (PT-PE) apresentou provas à CPI de que o relacionamento da família Bolsonaro com Danilo Trento vai além dos “eventos institucionais”.

De acordo com o senador, Trento viajou para Las Vegas na companhia de um senador para tratar da liberação dos jogos de azar no Brasil. Mais adiante, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE) apresentou requerimento de Flávio Bolsonaro solicitando autorização para se ausentar do Senado para ir aos Estados Unidos entre 23 e 24 de janeiro de 2020. De acordo com Girão, o atual ministro do Turismo, Gilson Machado, então presidente da Embratur, também estava em Las Vegas na oportunidade.

Foto: Alessandro Dantas

“A minha avaliação é que o senhor Danilo Trento foi tratar de um assunto que tem muita gente interessada nesse governo: trazer a jogatina norte-americana, cassino, aqui para o Brasil. Que é uma forma boa de lavar dinheiro, sonegar imposto e dar espaço para o crime organizado. É a segunda vez que pergunto: quem foi o senador? Da outra vez era o senador que ia desatar o nó da venda dos testes rápidos. Agora quero saber quem foi o senador que foi com o senhor [para Las Vegas]”, questionou Humberto Costa.

O depoente se manteve em silêncio sobre os questionamentos.

Relógio de luxo
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) revelou que a empresa de Danilo Trento, Primarcial Holding e Participações, teria adquirido um relógio Rolex, no valor de R$ 78 mil, da joalheria “Jóias e Relógios Oliveiras”, localizada em Curitiba (PR).

De acordo com o senador, a compra teria sido feita para presentear algum integrante do governo Bolsonaro.

Marconny Albernaz e Roberto Dias
Danilo Trento admitiu conhecer o lobista Marconny Albernaz. De acordo com a CPI, Trento teria sido o responsável por enviar para Marconny o passo a passo para fraudar a licitação para compra de testes rápidos contra a Covid-19. A operação contou com a ajuda do ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias.

Danilo Trento afirmou que Marconny nunca foi contratado pela Precisa Medicamentos. Quando foi questionado se havia tratado com Roberto Dias acerca de temas ligados à Covid-19, Danilo permaneceu em silêncio.

Amigo de Marcos Tolentino
O suposto sócio da Precisa Medicamentos admitiu conhecer o sócio oculto da FIB Bank, Marcos Tolentino, há pelo menos 15 anos. Apesar de não ser um banco, a empresa do amigo do deputado Ricardo Barros (PP-PR) foi a garantidora no contrato de compra da vacina Covaxin e outros firmados pela Precisa com o governo.

Danilo Trento se manteve em silêncio sobre vários questionamentos relacionados ao grau de envolvimento com Tolentino. Ele não respondeu nem mesmo se já trabalhou para alguma empresa de Tolentino ou se Tolentino já havia sido seu advogado em alguma ação.

Mas, de acordo com Renan Calheiros, a tia do depoente, Ana Paula Trento, teve sociedade com Tolentino entre 2019 e 2020. Segundo Renan, depois da saída de Ana Paula, ingressaram Gustavo Trento e Bruno Trento, irmãos do depoente.

Risco de mentiras para a sociedade
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) fez um alerta à sociedade para o risco causado pela propagação de dados falsos em relação à pandemia. Nesta quinta-feira, diversos senadores mostraram insatisfação e revolta com mais um discurso negacionista e desconectado da realidade apresentado pelo senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS).

Foto: Alessandro Dantas

“É preciso reforçar o risco de informações que podem ampliar a exposição da população e aumentar o número de infectados e o número de mortos. Em saúde pública, a informação gera comportamento. E o comportamento pode ser de maior ou de menor risco. E o risco, neste caso, pode levar à morte das pessoas”, alertou Rogério.

Advogada de médicos e Luciano Hang
Logo no início dos trabalhos, a CPI aprovou requerimentos e definiu a convocação da advogada dos médicos denunciantes do escândalo da Prevent Senior, Bruna Morato. Ela será ouvida na próxima terça-feira (28). No dia seguinte será realizada a oitiva do empresário bolsonarista Luciano Hang, conhecido como Véio da Havan, por sua participação no gabinete paralelo e defesa de tratamento ineficaz.

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