Liberdade de expressão

Debatedores pedem a libertação do jornalista Julian Assange

Audiência debateu riscos à atividade jornalística caso prospere condenação do fundador do WikiLeaks por divulgar a verdade. Convidados também apontaram limites à liberdade de expressão. Direito não comporta cometimento de crimes

Protesto em defesa de Julian Assange

Debatedores pedem a libertação do jornalista Julian Assange

Foto: freeassange.net

Participantes de audiência pública realizada nesta quinta-feira na Comissão de Direitos Humanos (CDH) foram unânimes na defesa da libertação do jornalista australiano Julian Assange, em nome da liberdade de expressão. O fundador do WikiLeaks está preso em Londres e corre o risco de ser extraditado aos Estados Unidos.

O senador Humberto Costa (PT-PE) se comprometeu, na condição de presidente da CDH, a enviar uma nota de apoio à soltura de Assange às embaixadas da Austrália, EUA e Reino Unido. Além disso, existe a possibilidade de uma delegação de parlamentares ir aos Estados Unidos para debater a situação do jornalista.

Foto: Agência Senado

Os debatedores explicitaram que está sendo usada contra Julian Assange, apenas por exercer a atividade jornalística, uma lei contra a espionagem datada da Primeira Guerra Mundial (1939-1945). O jornalista está sendo processado pelo governo estadunidense pela publicação de documentos e informações sigilosas que revelaram possíveis crimes de guerra dos Estados Unidos.

Kristinn Hrafnsson, editor-chefe do WikiLeaks, pediu ajuda aos parlamentares brasileiros para garantir a segurança do jornalista australiano e apelou para que Assange seja libertado. Para ele, a repercussão do caso, na hipótese de o fundador do WikiLeaks ser extraditado e condenado em solo norte-americano, impactará diretamente a atividade jornalística ao redor do mundo.

“Temos um jornalista preso apenas por publicar informações verdadeiras. Um país que quer deter e perseguir um jornalista por fazer seu trabalho de forma digna”, acusou Joseph Farrell, embaixador do WikiLeaks.

A presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Samira de Castro Cunha, reforçou o fato de que jornalismo e liberdade de imprensa estão sob forte ameaça no mundo com a manutenção das acusações contra Assange.

“Essa condenação cria um precedente perigoso para o exercício do jornalismo em todo o planeta. Assange fez, única e exclusivamente, divulgar informações de interesse público. A razão de existir o trabalho jornalístico é o crime pelo qual Assange responde”, apontou.

Giuliano Galli, coordenador de Jornalismos e Liberdade de Expressão do Instituto Vladimir Herzog, reforçou a tese do risco de criminalização da atividade jornalística no caso de a tese imposta contra Assange vir a ter sucesso.

“Numa sociedade democrática é justamente o papel do jornalismo produzir e disseminar as informações de interesse público. A busca pela verdade, correção e objetividade caracteriza e dá sentido à atividade jornalística”, destacou.

Além da nota às embaixadas de apoio a Assange, Humberto Costa falou sobre a possível visita de um grupo de parlamentares para tratar do assunto nos Estados Unidos.

“Uma das possibilidades é reunir uma delegação de parlamentares para ir aos Estados Unidos se reunir com parlamentares do campo progressista, além de entidades da sociedade civil. E aqueles que organizam o comitê pela liberdade de Assange ficaram de obter os convites para que possamos fazer esse trabalho. Lula também recebeu os membros do comitê e acredito que o futuro governo também se manifeste na busca de entendimentos para que essa injustiça não se concretize”, explicou o senador.

Opinião, sim; agressão, não

Os participantes do encontro também apontaram a existência de limites para a liberdade de expressão, mesmo ela sendo um direito garantido na Constituição. O senador Humberto Costa destacou que, ao garantir o direito de todos os cidadãos exercerem a livre manifestação de pensamento, a Constituição jamais tutelou a possibilidade de tais manifestações serem revestidas de quaisquer ilicitudes.

“Os direitos garantidos na Constituição não podem ser instrumentos utilizados para legitimar a exteriorização de propósitos criminosos. Quando falamos em liberdade de expressão, estamos considerando o direito de opinião, de imprensa, de informação e a proibição à censura”, explicou.

A representante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Carol Proner, enfatizou que a liberdade de expressão não é ilimitada e deve ser responsabilizada quando provoca a violação aos direitos humanos.

“A liberdade de expressão não é liberdade de agressão. Não tolera discurso de ódio e ataques à democracia. E não serve de escudo para defesa do racismo, da homofobia ou do machismo”, explicou.

Ataques à imprensa como método

A imprensa é imprescindível na manutenção do Estado Democrático de Direito. E para que ela cumpra seu papel deve ser livre de interdições e censuras. Apesar disso, o governo Bolsonaro se notabilizou por ataques sistemáticos a jornalistas e a meios de comunicação.

Nos últimos quatro anos, a relação entre a imprensa e o governo brasileiro se deteriorou ao ponto de colocar o Brasil em 110º lugar — do total de 180 países — no Ranking de Liberdade de Imprensa no Mundo organizando pela ONG Repórteres Sem Fronteiras.

Luiz Armando Badin, representante da Comissão Arns, reforçou que, nos últimos anos, a liberdade de expressão, pensamento e opinião tem sofrido ameaças graves, que refletem as transformações que aconteceram na sociedade e são impulsionadas pelo advento de novas tecnologias.

Por isso, segundo ele, o direito fundamental de liberdade de expressão é abusado quando sua invocação ilegítima serve para ocultar ou escamotear agressões à ordem constitucional e democrática.

“Limites mal delineados na legislação contribuem para a insegurança e uma jurisprudência oscilante dos tribunais, que não definem parâmetros muito claros sobre o que o cidadão pode, ou não, dizer. Nesse contexto, a sociedade precisa colaborar para reconstruir os parâmetros jurídicos mais transparentes e assegurar o pleno exercício de um direito já garantido pela Constituição”, disse. “Sabemos como no caso da saúde, mais especialmente das vacinas, esse comportamento coordenado e inautêntico nas redes sociais pode, até mesmo, ceifar vidas”, completou.

Pedro Vaca, representante da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), apontou que o ano de 2022 foi o mais letal para a imprensa na América Latina desde 1998. Só no Brasil, ao menos três jornalistas foram assassinados neste ano.

“Há, portanto, uma persistência da violência contra jornalistas somadas a ameaças, ataques verbais e físicos, ataques a sedes de meios de comunicação. Tudo isso, sem contar o ambiente digital em que muitas dessas formas de violência tem lugar e muitas vezes contribuem para que a violência online se traslade para os espaços físicos”, disse. “Jornalistas pertencentes a grupos de vulnerabilidade, como as jornalistas mulheres, são alvos particulares dos ataques”, alertou.

Resposta a senador golpista

Octávio Costa, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), rebateu uma tentativa frustrada do senador golpista Eduardo Girão (Podemos-CE) de adiar a realização da audiência. O bolsonarista tem se notabilizado por dar abrigo, dentro do Congresso Nacional, a discursos de ataque à democracia.

Para Octávio, se faz necessário coibir todo tipo de manifestação golpista escondida no direito constitucional de liberdade de expressão. “Ele [senador] quer liberdade de expressão para pessoas que atacam o Estado Democrático de Direito e conclamam esses atos antidemocráticos. É preciso coibir o ato, mas também é preciso coibir quem financia e quem conclama esses atos contra a democracia. Nós sabemos muito bem o que é a ameaça à liberdade de expressão”, disse, em referência ao período ditatorial no país.

Giuliano Galli ainda alertou para mensagens de ódio e ataques à democracia que são embaladas no formato jornalístico para confundir a população. Para ele, é preciso deixar claro que esse tipo de material não pode ser tratado como jornalismo.

“Ainda que um conteúdo se utilize da linguagem, do formato e de outras características de uma notícia, ele não pode e nem deve ser tratado como jornalístico, caso não tenha compromisso com a verdade e busque alimentar a máquina de ódio e desinformação que, inclusive, foi adotada como estratégia de comunicação pelo atual governo. Isso é absolutamente prejudicial ao jornalismo e para a população que necessita do jornalismo para ter acesso a informações que contribuam com a sua participação na vida em sociedade”, salientou.

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