Foram longos 11 anos de tramitação com debates que aperfeiçoaram o texto e colocaram o tema no centro da pauta política. Depois desse período, em 2010, o ex-presidente Lula sancionou o Estatuto da Igualdade Racial, proposta de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), um dos poucos representantes negros do Congresso Nacional.
O Estatuto, Lei 12.288/2010, que completou 12 anos de vigência em 20 de julho deste ano chegou 122 anos após a assinatura da Lei Áurea. O marco legal traz um conjunto de normas para ajudar gestores no combate à desigualdade racial.
O texto legal determina, por exemplo, que impedir por racismo a promoção funcional de pessoa negra pode resultar em pena de cinco anos de prisão. Também foi o Estatuto que determinou a inclusão de pessoas negras em filmes, propagandas ou programas feitos com dinheiro público.
Outra iniciativa do Estatuto da Igualdade Racial foi o reconhecimento da propriedade definitiva de terras aos remanescentes de quilombos. Também está contido na norma a proibição de propagação, por meios de comunicação, de mensagens de ódio contra religiões de matriz africana.
Em entrevista à Agência Senado, o senador Paulo Paim revelou que a ideia de criação do Estatuto surgiu ainda em 1989 durante uma viagem à África do Sul quando representava o Parlamento Brasileiro. Na oportunidade, os parlamentares pediam a libertação de Nelson Mandela.
“O objetivo era construir uma política nacional de combate ao racismo. Após anos de debates, ainda como deputado, apresentei o primeiro projeto. Como não teve condições políticas na correlação de forças para avançar, resolvi reapresentá-lo em 2003, já então como senador. Como todos sabem, muitas resistências e dificuldades continuaram permeando o caminho, e levou mais dez anos para aprová-lo”, lembrou o senador.
“Me lembro que o presidente Lula, no dia da sanção, disse: ‘O estatuto não tem o texto ideal, mas vamos aprová-lo, porque é um avanço’”, completou Paim.
Estatuto levou a outras vitórias
A aprovação do Estatuto da Igualdade Racial levou o Brasil a avançar nas políticas de ação afirmativa. Em 2012, com base na lei, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a legitimidade da política de cotas aprovada pelo Congresso Nacional.
“Avalio que a maior conquista do Estatuto foi o STF, tendo como base também este documento legal, ter reconhecido as políticas de cotas no serviço público e no ensino superior. Ainda não foi possível implementá-lo em 100% de suas previsões, mas alerto para o fato de que o quadro hoje é mais grave. O atual governo afastou o Estado brasileiro das políticas reparatórias e inclusivas. Mas quero aproveitar este espaço também para reconhecer o esforço histórico do senador Paulo Paim, e que a sociedade brasileira não permita perder o que já conseguiu, ainda que longe do ideal”, disse o senador Fabiano Contarato (PT-ES), vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), em entrevista à Agência Senado.
O resultado foi que, entre 2010 e 2019, o número de negros e negras matriculados nas universidades públicas cresceu 400% chegando a 38% das vagas no ensino superior. E, em 2017, o STF também validou as cotas para o serviço público.
Estatuto ainda precisa ser totalmente efetivado
Apesar destes avanços, o Estatuto ainda carece de maior efetivação, ainda mais diante do racismo estrutural e do momento atual em que o governo de plantão está longe de tratar as ações afirmativas e o combate ao racismo como prioridade.
E essa falta de prioridade é comprovada com números. De acordo com o Anuário da Segurança Pública, em 2021, dos mortos pela polícia eram pessoas negras.
A pandemia também expôs a exclusão da população negra. Mesmo diante de dados subnotificados, o senador Paulo Paim alertou que a maior parte das mortes ocorriam entre a população mais pobre do país. O senador chegou a apresentar uma proposta para obrigar hospitais a registrarem dados sobre raça, idade, gênero, se há deficiência física e localização de todos os pacientes de coronavírus.
No Brasil, o risco de mortalidade por Covid-19 foi 1,5 vezes maior na população negra, apesar de haver uma maior taxa de incidência entre a população branca. Negros e pardos brasileiros internados em hospitais tinham de 1,3 vezes a 1,5 vezes mais risco de mortalidade em comparação com brasileiros brancos, descreve o relatório Health at a Glance, da OCDE, o que mostra a maior vulnerabilidade da população negra.
Proposta para promoção da igualdade racial
Paulo Paim também é autor da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 33/2016) cujo objetivo é a criação de um Fundo de Promoção da Igualdade Racial. A PEC prevê a maior atenção às áreas de educação, habitação e formação profissional nas ações possibilitadas pelo novo fundo.
Para o senador, a ideia é assegurar recursos públicos suficientes para a formulação e a execução de políticas públicas de caráter identitário voltadas à população negra. “[A medida] é crucial para possibilitar a inserção social de um grupo historicamente excluído de nossa sociedade”, assegura Paim.
O texto da PEC estabelece que os recursos do fundo serão originados da arrecadação tributária da União. A proposta aumenta em um ponto percentual os diversos repasses da União, previstos no texto constitucional, do produto da arrecadação dos impostos sobre renda (IR) de qualquer natureza e sobre produtos industrializados (IPI). Esse um ponto percentual seria direcionado ao Fundo de Promoção da Igualdade Racial.
Também seriam destinados para a verba do fundo 3% da arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep).
A PEC ainda determina que o fundo contará com um conselho consultivo e de acompanhamento formado por representantes do poder público e da sociedade civil, a serem definido por lei reguladora. A distribuição dos recursos, a fiscalização e o controle do patrimônio do fundo, bem como a organização do conselho consultivo, também serão definidos por lei.