números fantasiosos

Governo manipulou dados para mentir sobre geração de empregos

Saldo em 2020 cai de 142.690 para 75.883 vagas abertas. Revisão até dezembro pode reduzir ainda mais o número
Governo manipulou dados para mentir sobre geração de empregos

Foto: Agência PT

Mais uma fake news do desgoverno Bolsonaro é desmentida. Desta vez, é o “novo Caged”, adotado no início do ano passado, quando a então extinta pasta “Trabalho” estava subordinada ao ministro-banqueiro Paulo Guedes. Uma das falácias mais recorrentes do “posto Ipiranga”, a criação de empregos formais em 2020 foi revisada para patamar 46,82% inferior ao anunciado como “uma grande notícia” em janeiro.

Com isso, caiu de 142.690 para 75.883 o número de vagas com carteira assinada abertas no ano passado. A diferença é resultado de um número 2,2% maior de demissões (de 15,023 milhões para 15,361 milhões) e apenas 1,8% superior de admissões (de 15.023.531 para 15.361.234).

 

Em nota ao portal R7, o Ministério do Trabalho e Previdência, recriado no acerto de contas com o Centrão, informou que a revisão considerou as declarações de contratações e dispensas feitas pelas empresas fora do prazo.

Agora responsável pela divulgação dos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, a pasta adiantou que até dezembro o processo pode reduzir ainda mais o saldo final de empregos criados no ano passado. Há a perspectiva de incorporação de novos dados que podem influenciar o saldo de 2020.

A maior discrepância registrada entre os dados divulgados e atualizados (177,2%) foi apurada em junho de 2020. Na ocasião, foi comunicado o corte de 10.984 postos formais de trabalho, quando a perda foi ainda maior (30.448 vagas).

Em termos absolutos, a principal diferença foi contabilizada em abril de 2020. Naquele mês, houve 963.703 demissões a mais que contratações – 103.200 mais perdas em relação aos 860.503 cortes inicialmente anunciados.

O Caged sofreu uma mudança radical de metodologia em janeiro do ano passado. A mudança descolou o índice do real desempenho da atividade econômica e tornou impossível a comparação dos dados recentes com a série histórica.

A pesquisa passou a ser alimentada por informações provenientes do eSocial e foi alterado o universo de trabalhadores abrangido. Os empregos temporários, aberração criada pela “reforma trabalhista” de Michel Temer, passaram a ser de preenchimento obrigatório pelas empresas, e não mais opcional. Além disso, categorias antes não consideradas como emprego formal, como os bolsistas, passaram a entrar na conta.

Nova metodologia
“Quando você muda a forma de medir uma série, ela não pode mais ser comparada com a que era medida de uma forma diferente anteriormente”, afirmou Daniel Duque, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), à Folha de São Paulo, no início deste ano. Na ocasião, Guedes vinha insistindo no bordão do “melhor resultado para o mês em 30 anos”.

“Você está comparando banana com laranja, aí gera essas hipérboles”, reforçou Luciano Sobral, economista-chefe da NEO Investimentos. “Se você se deixar levar pelo que o ministério está tentando vender como a situação do mercado de trabalho, tem uma impressão errada da economia.”

Antes, o indicador evoluía de forma próxima ao desempenho da economia segundo o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br). Quando a economia ia bem, cresciam as contratações, e quando ia mal, predominavam as demissões. Essa aderência lógica se perdeu.

“Desde o último trimestre do ano passado, estamos observando altas muito fortes do Caged. Nunca teve altas tão elevadas na série histórica toda, nem em 2010 (ano em que o PIB cresceu 7,5%)”, observou Duque.

Também pesquisador do Ibre/FGV, Bruno Ottoni comparou um mesmo período (abril a dezembro de 2019) utilizando a série antiga e a nova do Caged. Encontrou uma diferença de 74% a mais para o resultado com a nova metodologia. Na prática, concluiu o pesquisador, Guedes vinha induzindo o público ao erro ao divulgar os resultados do “novo Caged” como “recordes históricos”.

“Estamos às cegas, sem saber com exatidão o que se passa no mercado de trabalho“, afirmou à BBC Brasil Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. Para ele, a condição é sintoma de um governo que não entende a necessidade de boas estatísticas para elaboração de políticas públicas. “Me parece que há um descaso geral com as estatísticas”, avaliou.

“Precisaria haver um esforço maior do governo, porque quem vai pagar o preço desse descaso somos nós mesmos. Sem informações corretas, há dificuldade de fazer políticas públicas adequadas. Mas esse é um governo que não é muito fã de políticas públicas”, conclui o economista Luciano Sobral. “É um governo que gosta de viver no mundo que eles criam e não no mundo real, essa é a questão de fundo.

 

 

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