Direitos Humanos

Ministra das Mulheres denuncia desigualdade social, violência e misoginia

Por iniciativa do senador Paulo Paim, a ministra Cida Gonçalves participou de audiência da Comissão de Direitos Humanos

Alessandro Dantas

Ministra das Mulheres denuncia desigualdade social, violência e misoginia

Ministra das Mulheres ao lado do senador Paulo Paim durante audiência pública

Das 33 milhões pessoas que passam fome no Brasil, 80% são mulheres, e a grande maioria é de mães solos e negras. Esses números são acompanhados do aumento de casos de violência, em especial de feminicídio e misoginia. As estatísticas alarmantes foram apresentadas pela ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, que após onze meses à frente da pasta prestou informações à Comissão de Direitos Humanos (CDH), nesta terça-feira (21/11), quando apresentou o trabalho que está sendo desenvolvido em sua gestão.

“As mulheres estão num quadro de exclusão social absoluto”, alertou a ministra.

Portanto, discutir como enfrentar a fome passa pela discussão de políticas para as mulheres, segundo Cida. Ela enfatizou que, pela primeira, vez, criou-se um ministério exclusivo para a defesa dos direitos das mulheres.

Presidente da CDH, o senador Paulo Paim (PT-RS) lembrou a recente aprovação no Congresso do projeto que culminou na sanção da Lei 14.611/2023, estipulando igualdade de salário e de critérios de remuneração entre trabalhadoras e trabalhadores nas mesmas funções.

“As mulheres têm de se apropriar dessa lei”, pregou o senador, ao defender que se faça cumprir a legislação instituída em julho deste ano e que estava há pelo menos 20 anos em debate no Legislativo.

Cida Gonçalves destacou ainda que as mulheres não conseguem ser chefes, porque no fim da tarde têm de pegar os filhos nas creches e enfrentar outras preocupações domésticas – muitas vezes não divididas com os parceiros -que acabam impossibilitando-as de dedicarem mais tempo a cargos profissionais.

“Mesmo que um chefe reconheça suas qualidades para uma função de chefia, ela não aceita. As mulheres não conseguem ter a ascensão, porque a responsabilidade do serviço [em casa] e do cuidado ainda é da mulher. (…) Precisamos ter equidade, mas não vamos conseguir discutir equidade se não tivermos igualdade”, argumentou a ministra.

Brasil ainda é um país machista

Na opinião do senador Fabiano Contarato (ES), líder do PT no Senado, apesar dos direitos previstos na Constituição, “ainda há muito o que se fazer num Brasil tão desigual, num Brasil tão sexista, num Brasil tão machista”.

Senador Fabiano Contarato lamentou fato de o Brasil ainda ser um país machista

O parlamentar disse ter ficado muito feliz com o tema da redação do Enem deste ano: o trabalho e o dever de cuidado, um encargo majoritariamente entregue às mulheres e, ainda por cima, invisibilizado.

“Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. É uma função nossa dar efetividade a essa garantia constitucional”, reafirmou Contarato.

Violência

A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) chamou atenção para a falta de autonomia das mulheres, em especial no que toca à questão financeira. A parlamentar lembrou que uma grande parte das mulheres não consegue sequer denunciar atos violentos da parte do marido. Por ser ele o provedor da casa, temem não dispor de recursos para a criação dos filhos caso o cônjuge venha a ser preso.

“Mulheres que às vezes não têm o dinheiro do vale transporte para ir à delegacia. Essa é a realidade”, expôs a senadora.

Em 2021, uma mulher era assassinada a cada sete horas. Em 2022, o feminicídio passou a ocorrer a cada seis horas. Além do aumento da violência, houve aumento dos casos de crueldade, segundo a ministra.

“Os agressores matam os filhos, para depois matarem as mulheres. Ou ateiam fogo nas casas com as mulheres e os filhos dentro”, relatou a ministra.

Para Cida, não é preciso haver aumento de pena, mas julgamento e punição. Se há risco de vida, o Estado tem que proteger a mulher. Por isso, a ministra defende, como medida protetiva, o uso de tornozeleira eletrônica por homens que praticam violência contra as mulheres.

Brasil sem Misoginia

O combate à misoginia — ódio ou aversão às mulheres — é uma das principais frentes de atuação ministerial, que conta com R$ 23 milhões em orçamento para áreas fins.

Segundo Cida Gonçalves, a questão da discriminação, do preconceito e do ódio contra as mulheres se sustenta em um país que hoje se rege a partir da intolerância ideológica.

“Qual é o fenômeno que está acontecendo no Brasil que permite um aumento da violência dessa forma? Enfrentar a misoginia é um passo estratégico para que possamos de fato ter um país que garanta os direitos das mulheres”, destacou.

Por essa razão, a misoginia não pode ser um problema só do governo, ponderou Cida. Tem de ser combatido a partir de um movimento do indivíduo para a sociedade. Ela advertiu que há hoje 80 canais que empregam o ódio contra as mulheres no YouTube e desses, 35 são monetizados.

“O que mais assusta é que esses 80 canais têm oito milhões de seguidores. São oito milhões de pessoas todos os dias sendo incentivadas pelo ódio. Não podemos aceitar”, enfatizou a ministra.

“Além de trabalhar pela autonomia econômica das mulheres e o enfrentamento à violência e à misoginia, também é pauta do ministério o empoderamento das mulheres”, acrescentou.

Capilaridade

Há 300 unidades voltadas à elaboração de políticas para as mulheres no país. No entanto, seriam necessárias pelo menos 2,5 mil secretarias nos estados e municípios dedicadas a discutir os problemas das mulheres e criar mecanismos para defendê-las.

“Não é possível discutir se não tivermos secretarias das mulheres fortes nos estados, nos municípios. Eu posso fazer uma política nacional, mas não tenho capilaridade para discutir a política no restante do país. Precisamos que essa Casa nos ajude”, pediu a ministra.

Há hoje 12 casas das Mulher Brasileira em funcionamento, mas somente em 2023 foram recebidas 62 solicitações de implantação de novas unidades.

Cida disse ser ainda um desafio a implementação das delegacias 24 horas, conforme determinado pela Lei 14.541/2023, sancionada em abril deste ano para garantir o funcionamento ininterrupto das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher.

A ministra explicou que os governadores alegam falta de condições para implementarem essa medida — pelo menos por enquanto. A saída é desenvolver um planejamento para que a lei 14.541 possa ser aplicada. Somente pelo Ligue 180, são recebidas 1.525 ligações diariamente. O serviço oferece espaço para denúncias e presta informação básica sobre os direitos das mulheres.

Além do uso das tornozeleiras pelos agressores, a ministra defendeu a Patrulha Maria da Penha, com profissionais que acompanhem as mulheres em situação de risco.

“Esse acompanhamento é fundamental. Quando uma mulher morre, todos nós somos culpados. O silêncio da sociedade brasileira é que assassina as mulheres todos os dias”, apontou a ministra.

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