A Comissão de Direitos Humanos (CDH) aprovou nesta quarta-feira (18) convite ao ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, para explicar os motivos que levaram o governo Temer a emitir portaria alterando os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo para fins de concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser resgatado em fiscalização do Ministério do Trabalho.
“A portaria, na verdade, desfigura todo o conceito de trabalho escravo que o Brasil aprovou e é, inclusive, recomendado em outras partes do mundo. Também aprovamos, de autoria do senador Paulo Rocha, a PEC do trabalho escravo. É lei. Mas insistem numa regulamentação da qual sou relator. Meu relatório está pronto. Por isso, não cabe essa portaria, já que o Legislativo está muito adiante nesse tema. Meu relatório segue o caminho da PEC proibindo o trabalho escravo no Brasil”, disse o senador Paulo Paim (PT-RS).
A bancada do PT no Senado apresentou, na última terça-feira (17), um projeto de decreto legislativo sustando a portaria. A proposta da bancada reforça que uma portaria, como ato administrativo, não pode modificar uma lei. “Sua natureza jurídica impõe que contenha instruções e normas sobre a aplicação de leis ou regulamentos”, diz a peça.
O projeto é assinado pelo líder do PT no Senado, Lindbergh Farias (RJ), a senadora Regina Sousa (PT-PI) e os senadores Paulo Paim (PT-RS) e Paulo Rocha (PT-PA).
“Essa portaria é uma agressão, uma afronta, uma provocação do governo aos trabalhadores. Todo mundo sabe que ainda existe trabalho escravo no Brasil, mesmo ele sendo proibido. E essa portaria libera de vez o trabalho escravo. Agora a fiscalização só vai existir se a autoridade policial for fiscalizar? As polícias não estão conta nem de suas demandas. Imagino ter a responsabilidade sobre essa fiscalização. É um absurdo, um retrocesso. Temos de reagir enquanto é tempo”, disse a senadora Regina Sousa (PT-PI), presidenta da CDH.
A provável data da audiência pública com o ministro do Trabalho será o próximo dia 8 de novembro. Ainda existe a possibilidade de a audiência ser conjunta com as comissões de Assuntos Sociais (CAS) e Constituição e Justiça (CCJ).
Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o líder do PT no Senado, Lindbergh Farias (PT-RJ) pediu urgência na realização da audiência pública para que o ministro explique as motivações para a edição da portaria que, segundo ele, revoga um artigo do Código Penal – art. 149-CP.
“O Código Penal deixa muito claro o que significa o trabalho escravo. Essa portaria trouxe preocupação para entidades tanto do Brasil, quanto do exterior, inclusive da Organização Internacional do Trabalho”, alertou o senador.
Atualmente, a lei define escravidão em qualquer um de quatro aspectos: trabalho forçado, escravidão por dívida, condições degradantes (quando há risco a saúde e a vida) e jornada exaustiva. Mas as duas últimas caracterizações foram retiradas pela Portaria nº 1.129, publicada nesta segunda pelo Ministério do Trabalho.
A mudança passa a colocar as condições degradantes e jornada exaustiva, independentemente de serem as piores possíveis, como assessórias para os flagrantes de trabalho análogo ao de escravo pelos auditores fiscais, bem como para a concessão de seguro-desemprego a resgatados – como atualmente prevê a lei.
Além disso, a portaria impõe a ausência de consentimento como cláusula para caracterizar trabalho forçado. Atualmente, como previsto pelas Nações Unidas, as operações de resgate de pessoas têm considerado o consentimento irrelevante para a caracterização. Ou seja, mesmo a pessoa aceitando trabalhar só por comida, o Estado tem a obrigação de considerar o ato como escravidão.
Leia mais: