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Monocultura extensiva e negacionismo climático de parte do agronegócio agravam riscos ao meio ambiente

O uso indiscriminado de agrotóxicos e o lobby de parte do agronegócio no Congresso Nacional pela flexibilização da legislação contribuem com a devastação ambiental e favorecem o desequilíbrio climático

Agência Brasil

Monocultura extensiva e negacionismo climático de parte do agronegócio agravam riscos ao meio ambiente

Monoculturas, uso indiscriminado de agrotóxicos e lobby da bancada do agronegócio no Congresso Nacional contribuem para fragilizar a legislação e promoção do desequilíbrio do meio ambiente

O agronegócio é, inegavelmente, fundamental para o país. O desempenho do setor se reflete no panorama econômico e no desenvolvimento do país, respondendo por uma fatia de aproximadamente 27% do PIB brasileiro. É um setor tecnologicamente avançado; em muitos casos, inovador; e de produtividade crescente. Há, contudo, também elementos negativos. Parcela do agronegócio brasileiro que usa monocultura como matriz de produção e agrotóxicos como base de “tecnologia” para potencializar o desempenho produtivo contribui para a destruição de ecossistemas naturais. 

A emissão de gases que aumentam o efeito estuda, o desmatamento em busca de novas fronteiras agrícolas e e a perda de biodiversidade promovida por práticas insustentáveis acabam contaminando o solo e os recursos hídricos, resultando no esgotamento dos recursos naturais. O resultado disso é que essa fatia do agronegócio colabora fortemente para o aumento do desequilíbrio climático, o que resulta em situação marcada, por exemplo, por chuvas em excesso na Região Sul e secas históricas na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado brasileiro.   

“No Brasil, o modelo predominante de agronegócio tem levado à degradação de ecossistemas, devido ao uso intensivo de agrotóxicos e monoculturas extensivas. No entanto, agricultores adotando práticas sustentáveis estão demonstrando que é possível conciliar a produção com a preservação do meio ambiente. Um exemplo notável é o sistema agroflorestal, no qual diferentes culturas são plantadas juntas, imitando a diversidade de um ecossistema natural”, explica o secretário nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT, Saulo Dias Kalunga. 

Essa alternativa, segundo ele, não só reduz a necessidade de produtos químicos, como fertilizantes e pesticidas, mas promove a saúde do solo e a biodiversidade.  

“Agricultores que adotam essas práticas estão colhendo benefícios a longo prazo, com terras mais produtivas e resilientes às mudanças climáticas”, salienta Saulo. 

O sistema agroflorestal citado, é justamente o oposto do processo produtivo do setor utilizado com mais frequência – uso extensivo e predominantemente monocultor, com o objetivo de aumentar as vendas no mercado internacional. Isso significa que a tendência do sistema produtor é de possuir áreas extensas de produção e cultivo, mas geralmente de um só produto – uma grande área apenas para soja, outra apenas para o milho e assim por diante. 

O agronegócio é uma cadeia de produção econômica de extrema importância a todos os setores da economia, responsável por gerar, produzir e distribuir uma imensa gama de produtos aos consumidores, além de gerar empregos. Mas, para se tornar sustentável e alinhado à preservação do meio ambiente, outros caminhos podem ser adotados.  

A coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, reconhece a utilização de práticas sustentáveis por parte do agronegócio brasileiro e o pioneirismo do setor na utilização de diversas tecnologias de produção que fazem a correta interface com o meio ambiente – sendo, inclusive, muito bem-sucedidos na função de aliar a produção com a sustentabilidade e a preservação.   

Apesar disso, parcela do agronegócio ainda trata a legislação ambiental e as políticas do setor como entraves a serem removidos, e que, na prática, demonstram o negacionismo climático que tem trabalhado pela fragilização das leis de proteção ambiental no país.  

“Infelizmente, esse tipo de posicionamento tem alguns representantes fortes no Congresso Nacional. A pressão para flexibilizações na legislação ambiental tem crescido e escancarado irresponsabilidade. O caminho da legalidade e da conservação ambiental está trilhado. Opções não faltam. A questão é: o que mais precisa ser dito para colocar a parcela do agro que compromete negativamente o setor no caminho da civilidade e da responsabilidade para com as futuras gerações?”, questiona Suely Araújo. 

Práticas adotadas por parte do agronegócio contribuem, ainda, diretamente para a crise ecológica, visto que a produção de commodities tem mantido uma injusta distribuição e resultado em processos violentos de expropriação da terra, exploração de recursos naturais e da força de trabalho humana, acesso desigual à água e fortes pressões sobre populações tradicionais e originárias, desrespeito às tradições e culturas, como de indígenas, quilombolas, agricultores familiares, camponeses, assentados, trabalhadores imigrantes.     

“A agricultura convencional, baseada no uso intensivo de pesticidas e fertilizantes químicos, não só afeta negativamente o meio ambiente, mas também a saúde das pessoas que consomem os alimentos produzidos dessa forma. Por outro lado, as fazendas orgânicas estão se destacando ao priorizar métodos de produção que respeitam o equilíbrio ambiental e promovem a saúde do solo e dos consumidores”, aponta Saulo Dias Kalunga. 

A agricultura orgânica, explica Kalunga, proíbe o uso de pesticidas químicos sintéticos, o que resulta em alimentos livres de resíduos tóxicos.  

“Técnicas como compostagem, rotação de culturas e uso de adubos orgânicos ajudam a melhorar a qualidade do solo e a biodiversidade, contribuindo para um ecossistema mais saudável e sustentável”, argumenta. 

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O impacto do uso indiscriminado dos agrotóxicos 

Em 2018, durante o governo Bolsonaro, período em que o Brasil avançou rapidamente na liberação do uso de agrotóxicos, o Brasil plantou cerca de 75 milhões de hectares, de acordo com dados do Ministério da Agricultura e Pecuária. Essa área plantada do Brasil estava majoritariamente concentrada em monoculturas de soja (42%), de milho (21%) e de cana-de-açúcar (13%), que juntas representaram 82% de todo o consumo de agrotóxicos do país.  

Estima-se que tenham sidos pulverizados, no período, um total de 1,2 bilhão de litros de agrotóxicos, e usados 7 bilhões de quilos de fertilizantes químicos.   

Dados do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para consumo humano (Sisagua) do Ministério da Saúde, de 2019, apontam que 1.302 municípios fizeram análises dos componentes de contaminação química da água potável, no período de 2014 a 2017, e 22% deles apresentaram resíduos de agrotóxicos acima do permitido. 

No Brasil, o uso de agrotóxicos possui um papel importante para os meios de produção. Dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), que representa as fabricantes de agroquímicos, mostram que somente em 2020 a principal cultura brasileira, a soja, concentrou 48% do valor investido por agricultores em pesticidas: R$ 31,3 bilhões. 

O Brasil também ocupa o primeiro lugar no ranking mundial de países que consomem essas substâncias. O seu uso, consequentemente, se reflete em diversos aspectos, tanto para o meio ambiente quanto para o âmbito social.  

No ano de 2020, por exemplo, o Greenpeace descreveu uma ação do governo Bolsonaro como resultado de “Chuvas de agrotóxicos na cabeça da população”, visto que a gestão, à época, reduziu de 500 metros para 250 metros a distância mínima entre povoados e as áreas que iriam sofrer a ação da pulverização, aumentando o risco de contaminação para pessoas que moram nas localidades, o que pode agravar os problemas de saúde local e prejudicar o bem-estar da população. 

Senador Fabiano Contarato alertou, em 2022, que levará tempo para o Brasil se recuperar da devastação causada durante o governo Bolsonaro. Foto: Alessandro Dantas

“Tanto o Brasil como o mundo atestaram o fiasco da política ambiental do governo Bolsonaro. Demoraremos muitos anos para recuperar esse passivo”, alertou o senador Fabiano Contarato, atual vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado, em artigo publicado em 2022. 

Em recente entrevista ao jornalista Juca Kfouri, logo após as enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul, o senador Paulo Paim também chamou a atenção para a responsabilidade do agronegócio nas mudanças climáticas e da bancada ruralista no Congresso Nacional que tem, cada vez mais, buscado o enfraquecimento das leis de proteção ambiental. 

Senador Paulo Paim durante entrevista ao jornalista Juca Kfouri. Foto: TVT/Reprodução

“O agronegócio mais do que nunca terá que olhar isso, porque eles também serão muito prejudicados se continuarem com essa linha de que não importar as consequências dos agrotóxicos e de tudo aquilo que eles forem depredando”, enfatizou. 

Ampliação da área desmatada agrava crise climática 

A retirada da cobertura vegetal nativa, importante agente para os ciclos de chuva, para a implementação de pastos e grandes plantações de monoculturas também tem sido um fator importante para a mudança do regime de chuvas nas mais variadas regiões do país. Mas esse desequilíbrio ambiental tem prejudicado não somente a população que tem convivido cada vez mais com eventos extremos climáticos, como tem afetado o próprio agronegócio, que convive, cada vez mais, com secas severas na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado e chuvas cada vez mais abundantes na Região Sul do país.  

Visto que a expansão do agronegócio tem avançado em áreas florestais, é preciso realizar a desocupação de tais espaços, o que interfere na derrubada da vegetação nativa do local. 

Um estudo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais apresentou um cálculo sobre os possíveis impactos econômicos do desmatamento da Amazônia. A pesquisa, publicada no periódico científico Nature Communications, aponta que o aumento das áreas de pastagem — e, por consequência, a diminuição da vegetação amazônica — pode influenciar o ciclo de chuvas na região. Com a diminuição das chuvas, o plantio e a criação de gado ficam comprometidos, e as perdas econômicas podem chegar a R$ 5,7 bilhões por ano até 2050, segundo o levantamento.  

“Na prática, o que está ocorrendo na Amazônia hoje é um ‘agrossuicídio’, mas os produtores insistem em não ver”, afirma um dos pesquisadores envolvidos no estudo, o engenheiro ambiental Argemiro Teixeira Filho. 

De acordo com o relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), mais de 80% do desmatamento, no Brasil, está ligado à conversão de terras para a prática agropecuária.  

“No Brasil, a produção de carne é um dos principais fatores por trás do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. A vegetação nativa é derrubada para dar lugar a pastagens e à plantação de ração para o rebanho”, aponta ainda o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), principal órgão global responsável por organizar as informações acerca das mudanças climáticas. 

Artigo publicado na revista científica Global Change Biology, que quantificou os impactos das extensas transições de uso de solo sobre a evapotranspiração e a temperatura da superfície terrestre, aponta que o Cerrado brasileiro já está 10% mais seco e 1º C mais quente, na comparação com a linha de base histórica de vegetação nativa. 

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) demonstram que, dos 2 milhões de quilômetros quadrados que congregam o bioma, quase 51% já foram convertidos.  

Importância do protagonismo brasileiro na proteção do meio ambiente 

Em 2021, ainda durante o governo Bolsonaro, o senador Jaques Wagner (PT-BA) coordenou uma audiência pública na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado para debater a colaboração internacional para o controle climático e o alerta para mudanças na legislação brasileira que possam ampliar o desmatamento ilegal no Brasil. 

Senador Jaques Wagner, durante a pandemia, coordenando audiência pública da Comissão de Meio Ambiente. Foto: Agência Senado

Na oportunidade, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Carmen Lúcia observou que o Brasil tem se destacado em “construir ótimas constituições e leis”, mas não tem tido a capacidade de criar a prática e o costume de aplicá-las conforme a intensidade dos problemas que se apresentam.  

Ela explicou que a Constituição tem dispositivo que garante a função social da propriedade como também assegura o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.  

Para ela, o desenvolvimento sustentável precisa ser compatível com a garantia, o respeito e a defesa do meio ambiente, sem retrocessos nas legislações. Importante lembrar que, à época, o governo Bolsonaro em conluio com o lobby ruralista no Congresso Nacional agiu para “passar a boiada” e flexibilizar em diversos aspectos a legislação ambiental e ampliar as áreas de plantio no país, em detrimento da proteção do meio ambiente.  

“A prática econômica que ofenda o meio ambiente é inconstitucional. Porque a Constituição determinou que a garantia dessa ordem econômica, para assegurar a todos uma existência digna, tem como fundamento a defesa do meio ambiente. E essa defesa é obrigação do Estado, em primeiro lugar, e da sociedade, por causa do princípio da solidariedade aqui encadeado diretamente”, disse a ministra . 

Na mesma audiência, o embaixador da Alemanha no Brasil, Heiko Thomso, enfatizou o “papel chave” que o Brasil tem na proteção global do clima por abrigar a Floresta Amazônica. 

“Hoje, grande parte da comunidade internacional, incluindo a Alemanha e a União Europeia, espera que o Brasil volte a demonstrar o entendimento da gravidade do problema. O caminho nos parece bem claro: implementar as leis brasileiras que já existem, financiar agências competentes, respeitar as instituições relevantes e repensar aquelas leis que atualmente estão em discussão, incluindo mineração nas áreas indígenas, que, a nosso ver, teria um impacto negativo não somente para a preservação da floresta, mas também para a paz social na região e para a reputação do país”, alertou o embaixador na oportunidade. 

Governo Lula pôs freio na boiada de Bolsonaro 

O governo Lula pôs fim a um verdadeiro pesadelo ambiental no Brasil. A gestão anterior sabotou ativamente as políticas de proteção dos biomas e transformou o país em um pária mundial da diplomacia climática. 

Marina Silva reassumiu o ministério e, logo de cara, desfez as “boiadas” de Ricardo Salles, como ficaram conhecidas as medidas tomadas pelo ex-ministro do Meio Ambiente que ajudaram a abrir a Amazônia para o crime ambiental. 

O resultado veio mais rápido do que o esperado, e surpreendeu os especialistas. O desmatamento na Amazônia caiu pela metade em 2023 e já retornou aos patamares pré-Bolsonaro.  

Com Lula, o Brasil também destravou e atraiu novas doações para o Fundo Amazônia, que financia projetos de preservação e economia sustentável e hoje acumula 4 bilhões de reais. Os recursos ficaram travados na época de Bolsonaro, depois que a gestão do ex-presidente extinguiu os mecanismos de governança do Fundo. 

Em março deste ano, o governo Lula lançou uma série de medidas para contribuir com o desenvolvimento da cadeia produtiva de florestas plantadas. Entre os objetivos estão o aumento do combate ao desmatamento e às mudanças climáticas, o fortalecimento da diversidade alimentar, a promoção do sustento alimentar de comunidades vulneráveis, o incentivo ao ecoturismo, a proteção à população indígena e comunitária e a preservação de espécies ameaçadas de extinção no Brasil. 

“Nós estamos vivendo um momento muito delicado, no qual as florestas, cada vez mais, se mostram fundamentais para o equilíbrio hídrico, para o equilíbrio climático do nosso planeta e, particularmente, do nosso país. As florestas são fundamentais no enfrentamento daquilo que leva à mudança do clima”, destacou a ministra do Meio Ambiente. 

Educação ambiental tem papel estratégico

A função estratégica da educação ambiental para o desenvolvimento sustentável e a conscientização sobre as mudanças climáticas foi debatida na última terça-feira (4/6) em sessão especial do Senado. Parlamentares, ministros, secretários e representantes de órgãos ambientais discutiram as conquistas e os desafios vivenciados durante os 25 anos da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), criada pela Lei 9.795/1999.

No encontro, a ministra Marina Silva ressaltou que a educação ambiental tem um papel fundamental, não só no processo educativo de crianças, mas também, no caso de adultos, com uma “pós-educação”, trazendo consciência da necessidade de preservação do meio ambiente.

A educação ambiental tem vários papéis e nos ajuda também a pensar diferente em relação ao que queremos como país, como sociedade, como comunidade e como indivíduos — declarou a ministra.

O secretário nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT, Saulo Dias Kalunga, corrobora a opinião da ministra ao apontar a educação ambiental como “essencial” na conscientização da sociedade sobre a importância de proteger o meio ambiente.  

“Iniciativas simples, como reciclagem e redução do uso de plástico, demonstram como pequenas ações individuais podem ter um grande impacto coletivo. Além disso, projetos comunitários de limpeza de praias e florestas exemplificam como a união de esforços pode resultar em melhorias significativas para o ambiente”, explicou.  

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