O plenário do Senado realizou, nesta segunda-feira (20), sessão especial em homenagem ao Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, comemorado amanhã – 21 de março –, data instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1960. A iniciativa para realização do debate foi do senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH).
A data foi escolhida para lembrar o chamado Massacre de Shaperville, na África do Sul. Nesse dia, 69 pessoas foram mortas e mais de 180 ficaram feridas após participar de um protesto contra uma lei que limitava os lugares onde os negros podiam andar.
Apesar de todos os esforços individuais e coletivos de décadas de muita luta e persistência, destacou o senador, o racismo, o preconceito e a discriminação continuam a impregnar de ódio, de violência e de intolerância a sociedade e as instituições.
“Estão enraizados, presos às cotidianas estruturas políticas, sociais e econômicas, agridem, reprimem, verbalizam iras e sentimentos viscerais de repulsa e aversão contra negros e negras, quilombolas, indígenas, LGBTQI+, mulheres, pessoas com deficiência, idosos, pobres, asiáticos, judeus, palestinos, migrantes e refugiados, as chamadas minorias étnicas”, enumerou o senador.
O racismo, em especial, está de tal forma enraizado na sociedade brasileira que, em pleno século XXI, o Brasil tem presenciado uma explosão de casos de trabalhadores em regime análogo à escravidão sendo resgatados.
“O racismo é de todas as formas, na sociedade brasileira, muito forte, está em todos os cantos, está no ar, está aqui dentro, está lá fora, está nas empresas, está nas praças, nas ruas, no campo e na cidade, no setor público e privado, nas falas, muitas vezes, entre familiares e vizinhos”, elencou. “O racismo é repugnante, traiçoeiro, mesquinho, desumano. Ninguém deve ser neutro nessa luta. Quem é neutro é cúmplice. Todos nós temos que ter uma posição muito firme nesse combate. Não podemos desistir, em hipótese alguma, de combater esse mal que nos envergonha tanto”, emendou Paim.
Na avaliação do senador, o Congresso Nacional deve ser exemplo na “luta constante” contra todas as formas de preconceito e discriminação. Ele apontou três projetos de lei que poderiam fortalecer esse combate na sociedade brasileira. O PL 5.231/2020, já aprovado no Senado, tramitando na Câmara, trata da abordagem policial. O PL 859/2023 proíbe a terceirização da atividade fim. Essa modalidade, apontou o petista, é a porta de entrada que potencializa o trabalho análogo à escravidão.
Por último, o senador destacou o PL 482/2017 que transforma o dia 20 de novembro, dia de Zumbi dos Palmares, em feriado nacional. “Seria um dia de reflexão. Como trata esse país os refugiados? Como trata os imigrantes? Como trata os negros, as negras, as mulheres, os idosos, as crianças, os adolescentes? Enfim, como trata toda a nossa gente?”, questionou o parlamentar.
Importância da Lei de Cotas
A deputada federal Dandara Tonantzin (PT-MG), relatora da proposta (PL 5384/2020) que torna permanente a política de cotas, destacou a importância da manutenção da ação afirmativa após quase 400 anos de história escravocrata no Brasil.
A proposta em análise na Câmara dos Deputados regulamenta a Lei de Cotas para o ingresso em institutos federais de educação a pretos, pardos, estudantes egressos do ensino público, indígenas e pessoas com deficiência.
Além disso, a deputada defendeu a criação de um fundo nacional de reparação da escravidão voltado para o combate ao racismo e o financiamento de políticas públicas voltadas para a reparação histórica do povo preto.
“Nós sabemos que quem é rico e quem é herdeiro neste país têm as mãos sujas de sangue porque essa riqueza, a manutenção das desigualdades e da opressão vêm do legado escravocrata”, destacou.
Promoção da Igualdade Racial
A secretária-executiva do Ministério da Igualdade Racial, Roberta Eugênio, lembrou o fato de, em 2003, o presidente Lula ter sido o responsável pela criação da então Secretaria de Políticas de Promoção para a Igualdade Racial (Seppir), com o objetivo de promover a igualdade racial, combater o racismo, assim como criar políticas públicas voltadas para a proteção de direitos de indivíduos de grupos étnicos que compõem a maioria da população do país.
“Se hoje podemos falar que o mito da democracia racial está assoreado, é a partir da contribuição de todos aqueles que lutaram incessantemente, ainda que muitas vezes de modo solitário, em espaços de poder, em espaços de produção de normas, dentro do governo ou ainda, mesmo durante esses 20 anos da Seppir, de modo aquilombado. Foram todos esses esforços que transformaram esse país”, enfatizou.
A ex-ministra da Seppir, Nilma Lino Gomes, apontou que a eliminação e a superação do racismo na nossa sociedade se darão a partir da ação cotidiana. “O nosso dever, a nossa chamada política é não só combater o racismo, mas que, através das várias medidas, projetos, legislações, ações cotidianas antirracistas de combate a esse racismo, nós tenhamos como alvo a superação desse fenômeno”, salientou.
Brasil não pode retroceder
O secretário nacional de combate ao racismo do Partido dos Trabalhadores, Martvs Chagas, disse que após os avanços obtidos nos últimos anos na luta contra o preconceito e contra o racismo, é inadmissível que sejam permitidos retrocessos nesta luta.
“A gente não pode deixar que ‘Shaperville’ se reestabeleça no Brasil. Significa que não podemos deixar que nossas crianças, homens e mulheres negras sejam massacradas como elas vem sendo. Por isso, precisamos criar não só programas como o Juventude Negra Viva, mas também criar um mecanismo onde a defesa da vida passe a ser prioridade”, disse. “Quando falamos em defesa da vida é quando falamos da violência obstétrica, do feminicídio, da insegurança alimentar. Nós temos que proteger esse cidadão, essa cidadã, além de promover a inserção econômica da população negra”, explicou.
Cofundador da UNEafro Brasil, Douglas Belchior, destacou que o governo Lula precisa aproveitar a janela de oportunidade para efetivar programas da agenda afirmativa como a efetivação da política nacional da saúde integral da população negra e titulação de terras quilombolas.
“A gente precisa entender o contexto político que nós vivemos: é um governo de grande pacto, é um governo de uma aliança ampla, é um governo que está diante de uma força social ultraconservadora, que continua viva na sociedade”, disse.
“O fato de ter ganho o Governo Federal e de ter o governo Lula hoje como um aliado fundamental da agenda progressista não quer dizer que isso vá continuar. Daqui um ano, em 12 meses, nós estaremos discutindo as eleições municipais. E que condição e relação de força nós temos para enfrentar o que virá daqui pouco mais de um ano, nas próximas eleições?”, questionou Douglas.