Vários alertas foram feitos acerca dos decretos editados por Bolsonaro facilitando o acesso da população ao porte de armas de fogo e dificultando os mecanismos de rastreamento. A quantidade de caçadores, atiradores esportivos e colecionadores (CACs) registrados no Brasil já passa de um milhão. O número é quatro vezes maior do que o total existente em 2019.
E um dos resultados dessa política desastrosa do atual governo veio à tona nesta quinta-feira (15). Nem mesmo o Exército Brasileiro sabe a real quantidade de armas em posse dos CACs nos municípios do país.
Segundo o Exército, em reportagem publicada pelo UOL, para saber o número exato de armas de fogo em posse dos CACs por cidade seria necessário o trabalho de 12 militares durante 180 dias úteis, ou seja, mais da metade de um ano.
Esse trabalho acarretaria, de acordo com o Exército, “considerável prejuízo no cumprimento de outras atividades, como regulamentação, fiscalização e autorização referentes ao trabalho com Produtos Controlados pelo Exército”.
Desde 2019 as importações de armas de fogo batem recordes consecutivos. No primeiro ano do governo Bolsonaro, o crescimento foi de 46%, chegando a US$ 23,8 milhões. Em 2020, novo recorde: crescimento de 64% e US$ 38,9 milhões em transações. Em 2021, o volume de importação cresceu 33%, chegando a US$ 51,9 milhões.
Em julho, foram importados 40.303 revólveres e pistolas, e em agosto, 39.389. O equivalente a mais de 1.200 armas de fogo entrando por dia no país, maior volume desde o início da série histórica do governo federal, há 25 anos.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) alerta que o Estado que estimula o crescimento da cultura de violência no Brasil é o mesmo que criminaliza a pobreza, fazendo com que as populações mais vulneráveis se tornem alvo prioritário dessas armas e munições que estão nas ruas.
“Eu gostaria que o presidente armasse a população com emprego, comida no prato, educação, saúde pública de qualidade. Eu sou da segurança pública e fico triste ao ver o pobre aderindo à cultura armamentista. Não é o pobre que vai ter R$ 5 mil para comprar uma arma. E o destinatário do disparo dessas armas são pobres, pretos e semianalfabetos. O próprio Estado criminaliza a pobreza. Eu não vejo o Estado dando geral em jovens de classe média e alta. Mas vejo nos bolsões de pobreza. Como se o pré-requisito para ser bandido é ser pobre”, disse o senador.
Outro problema grave criado pela flexibilização no acesso a armamento e munições, além da dificuldade no controle e rastreamento, é o destino dessas armas de fogo. Reportagem de julho deste ano feita pelo O Estado de S. Paulo aponta que o Primeiro Comando da Capital (PCC) tem se beneficiado dos decretos editados por Bolsonaro.
A denúncia revela que a facção adquire as armas legalmente, por vezes utilizando laranjas ou pelas mãos dos próprios criminosos. Pelo projeto CACs, pode adquirir arma qualquer pessoa acima de 25 anos sem registro de inquérito criminal e que seja aprovado no exame psicológico. O Estadão revelou ainda que a operação é facilitada por uma fragilidade na fiscalização.
“Bolsonaro armou o tráfico”, resumiu o senador Humberto Costa (PT-PE), presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH).
Ontem mesmo, um homem que não teve seu nome revelado foi preso em São Bento, no Alto Sertão da Paraíba. Ele é suspeito de alugar armas para criminosos que praticaram roubos a banco no estado. O delegado responsável pelo caso, Diego Beltrão, declarou que o homem preso tinha 21 armas registradas em seu nome. Na primeira busca e apreensão feita pela polícia, somente uma foi encontrada em sua casa.
Gerente do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, já mostrou preocupação com a fragilização do Estatuto do Desarmamento e a ausência de fiscalização no destino das armas compradas pelos CACs.
“Tem surgido semanalmente casos na Polícia Federal e nas Polícias Civis sobre laranjas do crime que têm o status de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CAC)”, lembra o autor do livro ‘Arma de Fogo no Brasil – Gatilho da Violência’.
Liberação de armas aumenta casos de violência no Brasil
No Brasil, 4 mulheres são vítimas de feminicídio por dia, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública – cerca de 30% dessas mortes são provocadas por arma de fogo. Mulheres que querem o fim do relacionamento, que não conseguem se divorciar, querem tirar seus filhos de uma situação de violência, simplesmente querem viver em paz, não conseguem porque podem morrer a qualquer momento.
Nesta semana um caso chocou o país e exemplifica a situação. Um homem com registro de colecionador usou uma das armas registradas em seu acervo, uma carabina, para matar sua ex-esposa e seu filho em plena luz do dia na cidade de São Paulo.
A vítima havia sido agredida e ameaçada e o agressor já tinha sido preso anteriormente no Mato Grosso do Sul. Segundo a delegada do caso, a pistola usada na ameaça e uma espingarda foram apreendidas na época, e a polícia pediu ao Exército a suspensão do registro de CAC.
A Lei 13.880/2019 obriga a polícia a consultar se o autor de violência doméstica tem armas e informar à Polícia Federal ou Exército. E permite que o juiz determine medidas cautelares.
O Instituto Sou da Paz explicou que como o sistema do Exército não é acessível às polícias, muitas vezes os policiais, mesmo querendo, não têm acesso a informações de CACs e dependem de envio de ofício. “Essa estratégia não se adequa à urgência dos casos de violência, e é obsoleta”, aponta o Instituto.
Após mais de 30 decretos e atos normativos de Bolsonaro, desde início de 2019, um estudo do Sou da Paz alertou sobre o número de armas de uso amador circulando no Brasil ter superado o uso da Política Militar.
Conforme a pesquisa, baseada em dados do Sistema Nacional de Armar (SINARM) e do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (SIGMA), até abril de 2021, os CACs contabilizavam um total de 648.731 armas, enquanto a soma dos armamentos das Polícias Militares totalizava 583.498. Mais armas e mais homicídios.
PT no Senado impediu votação do PL da Bala Solta
A bancada do PT no Senado em conjunto com parlamentares de outros partidos conseguiu barrar, no primeiro semestre do ano, tentativas da bancada governista de votar o Projeto de Lei (PL 3.723/2019), mais conhecido como ‘PL da Bala Solta’.
A proposta armamentista do governo Bolsonaro modifica o Estatuto do Desarmamento e prevê a flexibilização para CACs das regras de registro, cadastro e porte de armas de fogo.
Entre os pontos mais polêmicos está a eliminação da exigência de marcação de munições. O texto revoga o artigo do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826, de 2003) que exige a venda de munições em embalagens com código de rastreio e a venda de armas com dispositivo de segurança e identificação, gravada no corpo da arma.