As bancadas do PT no Senado e na Câmara conquistaram uma importante vitória no Supremo Tribunal Federal (STF) na última terça-feira (20). O ministro Luis Roberto Barroso deferiu Mandado de Segurança impetrado na Suprema Corte por irregularidades na tramitação da Medida Provisória (MP 759), em especial, no Senado.
Com participação decisiva da assessoria jurídica do PT no Senado, a Corte deferiu mandado de segurança que questionava alterações de mérito feitas durante o processo de tramitação no Senado. Tratadas erroneamente como emendas de redação, a proposta acabou encaminhada para sanção presidencial, ao invés de ser devolvida à Câmara para análise das alterações.
A ação dos parlamentares junto ao Supremo alegava que as mudanças na matéria foram ilegais e a sessão de sua aprovação no Senado deveria ser anulada ou, ao menos, ser submetida à apreciação do plenário da Câmara dos Deputados, como manda o Regimento Interno, ao invés de ir para a sanção presidencial, como ocorreu.
A ação impetrada afirma que o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), não seguiu à risca os procedimentos previstos na lei. De acordo com o artigo 65 da Constituição Federal, como o projeto foi modificado, deveria ter sido devolvido à Câmara Federal para nova apreciação da matéria em turno único. Ao invés disso, o Projeto de Lei de Conversão oriundo da MP 759 seguiu para sanção presidencial.
Em seu despacho, o ministro Luis Roberto Barroso, defere em caráter liminar o questionamento dos parlamentares do PT e manda o Executivo enviar à Câmara dos Deputados o texto aprovado pelo Senado. Assim que a Câmara receber o texto, os deputados passam a ter um prazo de dez dias para deliberar a matéria. Caso isso não ocorra, a MP 759 perde a validade.
A proposta do governo foi alvo de críticas de diversos senadores durante a votação no plenário do Senado.
Jorge Viana (PT-AC) resumiu dizendo que a medida ao invés de regularizar a questão fundiária no País significa, na verdade, a liberação do mercado de terras no Brasil facilitando, inclusive, a ação de grileiros.
“Na hora em que essa medida provisória for aprovada, vocês vão ver a maior reconcentração de terra da história deste País, porque está se autorizando, através dessa medida provisória, a legalização do pequeno produtor. Ele pode imediatamente vender, e nós vamos parar de cobrar a infraestrutura necessária para os projetos de assentamento. É muito grave”, acusou.
O senador Lindbergh Farias (PT-RJ), na oportunidade, disse estar convencido de que a única intenção da proposta é facilitar a reconcentração de terras no Brasil nas mãos de poucos.
“Este governo tem um lado, que é o lado dos ruralistas. É por isso que aumentaram muito os conflitos no campo. Não é um governo que faz mediação, que chama os dois lados, que conversa. Não! É de um lado só. Qual é o objetivo agora? Querem ir para cima de assentados, indígenas e quilombolas. São 88 milhões de hectares”, criticou.
Sobre os aspectos urbanos da MP 759, Lindbergh denunciou o fato de a MP desconsiderar a evolução histórica da legislação federal de regulamentação de política urbana, nascida na Constituinte, especialmente a partir do Estatuto da Cidade, bem como todo o histórico da regularização fundiária do País, que foi consolidado com a Lei do Minha Casa Minha Vida. Esse último, inclusive, revogado pela medida provisória.
“Com a MP 759, as exigências urbanísticas fundamentais para o bem-estar da população são relegadas em favor dos interesses do mercado imobiliário. É a especulação imobiliária que está dirigindo esse processo aqui. Permite-se a regularização imediata de áreas sem prévia urbanização, legalização de condomínios construídos sobre terras griladas, fechamento de condomínios e ruas e até a dispensa do habite-se. A inclusão apressada das áreas regularizadas no mercado imobiliário colocará no mercado de especulação imobiliária milhões de hectares nas cidades. Despreza-se completamente a função social da cidade”, acusou.
A decisão do STF, de acordo com o deputado Afonso Florence (PT-BA), é fundamental para o cumprimento dos regimentos das duas Casas do Congresso Nacional e o devido respeito às regras existentes. “[A decisão é] muito importante. Ela repõe o respeito ao regimento. O governo tinha aprovado emenda de mérito como se fosse [emenda] de redação. Agora o texto volta para a Câmara, onde devemos obstruir [a votação]”, explicou.
A proposta
A MP 759 cria novos procedimentos para a regularização fundiária rural e urbana, revogando as regras atuais da Lei 11.977. O texto foi aprovado na Câmara dos Deputados e sofreu oito alterações de redação no plenário do Senado. Segundo os parlamentares do PT, as mudanças, na verdade, mexeram no mérito da matéria.
Uma das emendas aprovadas incluiu atribuição a um órgão público (Secretaria do Patrimônio da União) para disciplinar um instrumento de Proposta de Manifestação de Aquisição de imóvel, a ser adotada por pessoas que ocupam imóveis irregulares pertencentes à União. O fato é que a inclusão de tal atribuição não foi discutida em nenhum momento da tramitação da Medida Provisória e, da forma que foi aprovada, impossibilitou que deputados discutissem a matéria.
Outra emenda modifica prazos. O texto original da Lei 11.952/2009 prevê a possibilidade de doação pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), para fins de regularização, aos municípios de Manaus e Rio Preto da Eva até 25 de junho de 2009. Mas uma emenda apresentada à MP 759 altera essa data, que passa a ser até a data de publicação da medida provisória, ou seja, 22 de dezembro de 2016.
“Houve flagrante modificação no mérito da proposição legislativa, o que torna [clara] a prática de ato ilegal por parte da autoridade coatora. Não se trata apenas de equívoco redacional ou falha de técnica legislativa que visa esclarecer um conteúdo implícito. A emenda, igualmente, amplia em quase 7 anos e 6 meses a incidência da norma e permite que situações de irregularidade fundiária acumuladas ao longo deste período sejam abarcadas pelo dispositivo”, destaca a ação do PT.
Anistia a desmatadores
Mais de 700 emendas foram apresentadas à MP 759 durante a sua tramitação.
De interesse dos ruralistas, a medida concede anistia a desmatadores e grileiros e faculta a vistoria que precisa ser feita para a comprovação do cumprimento das obrigações por parte do posseiro. Para parlamentares e especialistas, a matéria põe fim à reforma agrária no Brasil.
A forma como são outorgadas as terras públicas no Brasil também foi alterada pelas novas regras. Agora, ao invés de ser dada uma concessão para que a terra seja utilizada de acordo com sua função social e de forma hereditária, o governo passa a dar uma titulação. A nova modalidade ainda permite que o lote seja vendido a terceiros.
Em relação à área urbana, o texto flexibiliza a regularização de loteamentos e condomínios fechados de alto padrão e extingue o licenciamento ambiental diferenciado para áreas consideradas de interesse social. Também revoga os dispositivos que obrigam loteadores irregulares de terras públicas a adotarem medidas corretivas, repassando essa competência ao poder público, que fica impedido de ser ressarcido pelo dano.
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