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Senado aprova ampliação da política de cotas para concursos públicos

Proposta prorroga política de cotas por dez anos e amplia para 30% a reserva de vagas em concursos públicos para pretos, pardos, indígenas e quilombolas

Alessandro Dantas

Senado aprova ampliação da política de cotas para concursos públicos

Ministra Anielle Franco e senadores comemoram aprovação do projeto

O Senado concluiu nesta quarta-feira (22/5) a análise do substitutivo do senador Humberto Costa (PT-PE) ao projeto (PL 1.958/2021) que prorroga por dez anos e amplia para 30% a reserva de vagas em concursos públicos para pretos, pardos, indígenas e quilombolas. Agora, a proposta segue para a Câmara dos Deputados.

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Além dos concursos, as cotas serão aplicadas em processos seletivos simplificados da administração federal destinados a preencher, por exemplo, vagas temporárias. 

Durante toda a tramitação, parlamentares de oposição se manifestaram contra a proposta, com argumentos como a necessidade de adoção de cota social, a alegação de que a política criaria divisões no país e, até mesmo, representaria um “carimbo” de incapacidade nas pessoas aprovadas por meio das cotas. 

De acordo com o Censo Demográfico 2022, há cerca de 55% de pretos e pardos na população brasileira, mas apenas 35% dos vínculos do Executivo Federal, nível onde se concentram as maiores remunerações do funcionalismo, são ocupados por pessoas negras.  

Levantamento do instituto República.org intitulado “Onde estão os negros no serviço público?“, divulgado em 2022, revela que o número de servidores negros que ingressaram no funcionalismo federal subiu de 17%, em 2000, para 43% em 2020. Um aumento de mais de 150% no número de pessoas pretas e pardas que ingressaram na burocracia estatal em duas décadas. 

Essa discrepância, na avaliação do senador Humberto Costa, é mais do que suficiente para justificar a renovação da política de cotas.   

“O que precisa estar representado na composição do serviço público brasileiro é a mesma composição étnica que existe na sociedade brasileira. Se nós temos mais de 50% de pessoas pretas e pardas, nós precisamos caminhar para chegarmos, pelo menos, perto dessa condição de que pessoas pretas e pardas ocupem também 50% do serviço público no nosso país”, argumentou Humberto. 

Para ele, a inclusão de negros, pardos, indígenas e quilombolas seria benéfica para todo o conjunto da sociedade brasileira, por proporcionar diferentes vozes e visões na formulação de políticas públicas. 

“Isso ajuda a mudar o modo de pensar da nossa burocracia estatal, faz com que nós tenhamos vozes diferentes, inclusive para a elaboração das políticas públicas, porque as nossas políticas públicas, em grande parte, são elaboradas pelo olhar das pessoas que enxergam o mundo à sua imagem, porque a maioria delas é branca”, apontou o senador. 

O autor da proposta original, senador Paulo Paim (PT-RS), criticou aqueles que se mostraram contrários à proposta como se o projeto estivesse criando algo novo na legislação brasileira, ao invés de apenas dar sequência numa política iniciada há mais de dez anos. 

“Alguém tem dúvida se essa lei deu certo? Não houve nenhum litígio. Nenhum conflito entre negros, brancos, indígenas e quilombolas. Todos reconhecem que a pobreza tem cor nesse país: é preta! Negros são 54% da população, e estamos reservando apenas 30% das vagas. Tivemos que fazer esse mesmo debate durante a tramitação da lei de cotas nas universidades. A política de cotas tem nos ajudado. As cotas são uma política humanitária, grandeza, solidariedade”, enfatizou Paulo Paim. 

O senador Fabiano Contarato (PT-ES) também rebateu os argumentos contrários à proposta defendidos pelos senadores de oposição e pediu uma reflexão sobre a quantidade de negros em espaços de poder, hoje, no Estado brasileiro. 

“Qual foi a última vez que os senhores participaram de uma audiência em que o juiz era preto? Qual foi a última vez que os senhores foram atendidos por um médico preto? Qual a última vez que os senhores foram orientados por uma advogada negra? O Brasil que eu faço parte é esse Brasil que tem como um dos fundamentos abolir toda e qualquer forma de discriminação. Agora, que país igualitário é esse em que temos 70% da população carcerária de pretos? Será que os colegas não têm a percepção que no Brasil ainda se criminaliza a cor da pele?”, questionou o senador Fabiano Contarato. 

A senadora Teresa Leitão (PT-PE) também defendeu a aprovação da proposta afirmando que a equidade, que é a busca de condições para que todos tenham acesso aos mesmos direitos, é uma expressão muito grande do projeto para a parcela majoritária da população brasileira.

“A grande maioria da população brasileira tem essa herança da nossa ancestralidade negra e indígena. O que falta? Manifestar isso, assumir isso como identidade, ter políticas voltadas, de fato, para essa população que hoje se reconhece e reivindica. E essa proposta é muito casada com esse rol de questões que a gente sempre debate para essa parcela importante, significativa da nossa população e fundamental na constituição da sociedade brasileira”, destacou Teresa Leitão.

Detalhes do projeto   

A reserva de vagas será aplicada sempre que o número de vagas oferecidas for igual ou superior a dois. Além da reserva para negros, a proposta também estabelece que caberá ao governo regulamentar critérios e percentuais para as cotas de indígenas e quilombolas.  

De acordo com a proposta, as pessoas negras que optarem por disputar o concurso pelas cotas também vão concorrer, ao mesmo tempo, às vagas em ampla concorrência.  

A classificação ocorrerá nas duas modalidades. Na hipótese de o candidato ser aprovado e nomeado na disputa por ampla concorrência, o preenchimento da vaga não será computado como parte da cota para negros. Na prática, a classificação dentro da lista de reserva será desconsiderada e passará para o seguinte.  

Para ser considerada apta a disputar vagas na reserva, a pessoa terá que se autodeclarar preta ou parda, e apresentar características fenotípicas que “possibilitem o seu reconhecimento social como pessoa negra”.

Segundo o projeto, os editais de concursos deverão estabelecer procedimentos complementares para confirmar a autodeclaração. 

Em casos de fraude ou má-fé, o órgão responsável pelo concurso deverá abrir um procedimento administrativo, que poderá levar à eliminação do candidato ou à anulação da nomeação ao cargo público.   

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