Em três anos, de 2010 a 2013, o número de investigações do Ministério Público Federal (MPF) sobre trabalho escravo aumentou 800%. No mesmo período, foram ajuizadas 469 ações pelo crime de reduzir trabalhadores à condição equivalente à de escravo, como péssimas condições de trabalho e restrição do direito de ir e vir. Além dessas, outros 110 inquéritos por frustração dos direitos trabalhistas, e 47 por aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional foram abertos, com pena prevista para os infratores de prisão de 2 a 8 anos, além de multa.
O volume das denúncias e o número crescente de evidências e flagrantes, porém, não resultou em nenhuma prisão ou condenação durante o período delimitado pela pesquisa, segundo informa o mesmo MPF. A justificativa para a impunidade vem do próprio Ministério Público: o desenrolar arrastado dos julgamentos nos tribunais.
O quadro de impunidade criado por esse quadro pode mudar. Na busca de uma solução para a situação, o MPF vai, ainda esta semana, pedir ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que priorize esses casos e que as ações ajuizadas entre 2010 e 2013 sejam, finalmente, julgadas em definitivo até dezembro de 2014.
Prioridade para a PEC do Trabalho Escravo
No Congresso Nacional, a Proposta de Emenda Constitucional que trata do assunto, conhecida como PEC do Trabalho Escravo (PEC 57-A/1999), tramita há quase 15 anos. Seu eixo central é a desapropriação de propriedades e/ou instalações onde se explora o trabalho forçado , sem qualquer indenização aos proprietários. Ou seja, além de enfrentar o processo criminal, os exploradores dos trabalhadores sofreriam uma punição econômica aos que praticam o trabalho escravo, que passaria a ser equiparado a outros crimes considerados de alta gravidade, como a produção de drogas para o narcotráfico. As terras expropriadas seriam destinadas à reforma agrária ou a programas de habitação popular.
Aprovada em segundo turno pela Câmara, a PEC voltou a ser analisada no Senado. Mobilizados, senadores ligados à bancada ruralista se articularam na Comissão Mista de Consolidação de Leis do Congresso para desfigurar a proposta. A alegação deles é que a definição de trabalho escravo é “muito vago”, ainda que o conceito esteja claramente definido no Código Penal.
O artigo 149 define claramente o que determina a condição de trabalho análogo ao de escravo: condições degradantes de trabalho (situações que colocam em risco a saúde e a vida do trabalhador); jornada exaustiva; trabalho forçado e servidão por dívida. Os ruralistas também reclamaram que a atual legislação “dá muito poder” aos fiscais do Ministério do Trabalho.
A Comissão apresentou então uma proposta que determina que o Congresso deve definir o conceito de trabalho escravo antes de se aprovar a PEC. Relator dessa proposta, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) definiu que o simples descumprimento da legislação trabalhista não pode ser considerado trabalho escravo. Ele também retirou da definição de trabalho escravo a sujeição do trabalhador a jornadas exaustivas e a condições degradantes de trabalho, como prevê o Código Penal. O relatório de Jucá prevê que, somente será considerado trabalho escravo quando houver coação para trabalhos forçados, restrição da liberdade ou coação por dívida ou apropriação de objetos pessoais.
Para o líder do PT no Senado, Wellington Dias (PI), o tema é prioridade máxima em 2014. Votar a PEC do Trabalho Escravo, segundo ele, é uma forma de homenagear o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra Bruno Maranhão, que morreu no Recife nesta semana.
No Brasil, 2.232 investigações de crimes relacionados à prática de trabalho escravo – que incluem a frustração de direitos e aliciamento – estão em andamento. O crime é mais comum em áreas rurais, em carvoarias, confecção de roupas, construção civil e para fins de exploração sexual. São Paulo lidera o número de investigações, 492. O estado é seguido pelo Pará (308), Minas Gerais (231) e Mato Grosso (140).
Consideradas apenas as investigações por redução a condição análoga a de escravo, o Pará lidera a lista, com 295, seguido por Minas Gerais (174) e Mato Grosso (135). São Paulo cai para a quarta posição, com 125 investigações em curso.
Giselle Chassot
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