Foto: Danilo Ramos (RBA)Rafael Noronha
21 de novembro de 2016 | 14h11
“Darcy Ribeiro fez em 1982 uma conferência dizendo que, se os governadores não construíssem escolas, em 20 anos faltaria dinheiro para construir presídios. O fato se cumpriu. Estamos aqui reunidos diante de uma situação urgente, de um descaso feito lá atrás”. A frase acima foi dita pela ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, no último dia 10, durante encontro sobre segurança pública.
Um novo descaso com a educação pode voltar a assombrar os brasileiros daqui 20 anos. Esse é o período de vigência da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 55/2016) – que ficou conhecida como PEC da Maldade – e prevê o congelamento dos investimentos públicos pelos próximos 20 anos.
Além da redução nos recursos destinados para a educação dos jovens brasileiros, outras medidas patrocinadas pela gestão Temer ameaçam o ciclo de oportunidades e expansão da educação brasileira, iniciada pelo presidente Lula e continuada pela presidenta Dilma.
De acordo com estudo da economista Esther Dweck, a PEC da Maldade fará com que, já em 2018, o percentual mínimo constitucional de investimentos na área da educação passe a ser descumprido por conta do teto de gastos. Segundo estudo da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, cerca de R$ 24 bilhões devem desaparecer do orçamento da educação após o início da vigência da PEC da Maldade.
Em 2028, de acordo com a simulação de Dweck, apesar da população brasileira crescer, segundo estimativas do IBGE, a União estará investindo apenas 13,7% do orçamento na educação. A Constituição Cidadã de 1988 exige investimento mínimo de 18% nessa área.
Para a senadora Fátima Bezerra (PT-RN), vice-presidente da Comissão de Educação (CE), a aprovação do texto atual da PEC da Maldade vai inviabilizar a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE).
O PNE, após longa discussão, foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado, sem vetos, pela presidenta Dilma em 2014 e tem validade de dez anos. O plano estabelece diretrizes, metas e estratégias que devem reger as iniciativas na área da educação. Dentre as metas do Plano estão: até 2024, disponibilizar educação em tempo integral em metade das escolas públicas do País, de modo a atender, no mínimo, 25% dos alunos da educação básica.
“Ao congelar os gastos sociais, a PEC da Maldade inviabilizará a agenda do Plano Nacional de Educação e impossibilitará a criação de creches, escolas técnicas, universidades e educação em tempo integral para o povo brasileiro”, diz a senadora Fátima.
Enquanto o Congresso Nacional discute e avança de forma acelerada a discussão da PEC da Maldade, estudantes brasileiros Estudantes impedidos de acessar o prédio do Senado (Foto: Alessandro Dantas)ocupam escolas e universidades de todos País contra as medidas anunciadas pela gestão Temer.
Apesar de ser um movimento apartidário, sem lideranças preestabelecidas e que tenta chamar a atenção do País para a necessidade de ampliação do debate sobre a educação do País, o presidente Michel Temer recentemente tentou ridicularizar o movimento.
“(Pergunto) você sabe o que é uma PEC? É uma Proposta de Ensino Comercial. Estou dando um exemplo geral de que as pessoas debatem sem discutir ou ler o texto”, disse Temer num evento de empresários, no último dia 8.
Para o professor Edson Cruz, do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Paraná (APP-Sindicato), ao dizer que os alunos protestam sem conhecer as propostas do governo, Temer tenta praticar uma espécie de ilusionismo no senso comum e fazer com que todos creiam que o movimento dos estudantes está ligado aos partidos de esquerda, mesmo antes da conclusão do processo de impeachment da presidenta Dilma. “Esse fenômeno está sendo aproveitado e utilizado como método de linguagem do pessoal da direita. Eles acusam os estudantes de não conhecerem as medidas. Se eles fossem em qualquer escola ocupada, debater com qualquer estudante, eles teriam uma aula sobre a educação que queremos e a educação que não queremos”, disse.
Temer muda, sem diálogo, currículo do ensino médio
Outra medida que tem sido alvo de debates nas ocupações que tomam conta do País é a Medida Provisória (MP 746/2016) que altera o currículo do ensino médio no País.
A MP cria a Política de Fomento à Implantação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Para isso, eleva a carga horária mínima anual, progressivamente, das atuais 800 horas para 1.400 horas. O que pode ser contraditório com a limitação de gastos prevista na PEC da Maldade. Expandir o horário que os alunos ficarão em sala de aula exige um aporte maior de recursos. Medida não compatível com a PEC.
Foto: Alessandro DantasO texto ainda sugere que o ensino de Arte, Educação Física, Sociologia e Filosofia se tornem facultativas. Apesar disso, as matérias ainda poderão ser incluídas na Base Nacional Curricular Comum, parte integrante obrigatória dos três anos do ensino médio, que ainda está sendo discutida no Ministério da Educação. Algo que mostra como a gestão Temer desrespeitou o debate em curso na Casa e a autonomia do Congresso Nacional. O Projeto de Lei 6840/2013, que se encontrava na Câmara dos Deputados foi atropelado pela MP enviada por Temer e todo o trabalho para a construção de um consenso foi escanteado.
De acordo com a MP, cerca de 1.200 horas da carga horária total do ensino médio serão destinadas ao conteúdo obrigatório definido pela base nacional. No restante da formação, os alunos poderão escolher seguir cinco trajetórias: Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e formação técnica e profissional.
Essa estrutura foi duramente criticada pela estudante Thainá Lourenço da Silva, presidenta do Grêmio Estudantil do Colégio Estadual do Paraná (CEP), maior colégio estadual do Paraná. Para ela, a reforma imposta por Temer pretende retirar o pensamento crítico dos alunos com a retirada da grade obrigatória de matérias como: sociologia e filosofia. “São matérias que algumas pessoas podem até achar chatas, mas são elas que formam o pensamento crítico dos estudantes. Tirando isso, você elimina a criticidade que os alunos poderiam ter”, diz.
Com essa medida provisória, na avaliação da estudante, a escola se tornará basicamente um centro de ensino técnico, com uma educação com custo mais baixo e com formação mais rápida. Nas escolas localizadas nas periferias das cidades brasileiras e com poder aquisitivo menor, para ela, esse será um estímulo para que os alunos que precisam ajudar a família com a obtenção de recursos extras, escolham o caminho do ensino técnico, abdicando da possibilidade de cursar o ensino superior.
“Assim, você retira do filho do pobre a possibilidade de entrar numa faculdade e ele voltará a ser servente, auxiliar de pedreiro. Aquilo que a classe alta não quer ser”, avaliou.
A MP já conta com mais de 500 emendas apresentadas por parlamentares. Uma delas, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), pede a revogação de todo o texto da proposta por ela ter sido apresentada ao Congresso Nacional de forma “arbitrária e antidemocrática” e por não cumprir os requisitos constitucionais de relevância e urgência.
“A medida provisória apenas escancara o desejo do atual governo em limitar o acesso da população e das entidades educacionais sobre as decisões em torno da reforma do ensino médio”, escreve Paim na argumentação de sua emenda.
Outro ponto polêmico da MP do Ensino Médio é a contratação de professores sem o diploma de licenciatura e que possuam o “notório saber” na área.
Esse ponto da MP também é alvo de emendas por parte dos senadores da bancada. O senador Paulo Paim sugere que essa Estudantes criticam propostas do governo para o ensino médio (Foto: Alessandro Dantas)permissão seja suprimida por completo do texto. Já o senador José Pimentel (PT-CE) pede que a contratação desses profissionais, quando acontecer, se dê em igualdade de condições com os professores diplomados, sem precarização da relação de trabalho e sem “contornar” a necessidade de vínculo efetivo, por meio de concurso público, por exemplo.
Para o professor de artes musicais em escolas de ensino médio, Anderson Carlos, a reformulação inicial do currículo escolar deveria focar, não no ensino médio, mas, no ensino fundamental. Em sua opinião, esse ciclo educacional não dá a base necessária aos estudantes para que eles possam dar a sequência no conteúdo aplicado no ciclo seguinte.
Além disso, o professor afirma que, com o atual modelo educacional existente no Brasil, ele, no exercício de suas funções, se sente desvalorizado, desrespeitado e, por muitas vezes, injustiçado. E, com essa reformulação, na sua avaliação, isso tende a piorar. “Com essa reformulação do ensino médio, existe a possibilidade de o Brasil melhorar em índices de desemprego, de formação profissional, mas não na educação em si. Temo pela formação desses alunos que testarão esse novo modelo pós-reformulação”, disse.
Segundo o professor, o governo deveria centrar esforços na valorização da carreira docente com a oferta de melhores salários, melhores condições de trabalho e maior segurança. “Desta maneira, nós teríamos um número maior de interessados na carreira docente e elevaríamos o nível de conhecimento dos professores. Torço para que a educação, um dia, seja prioridade no Brasil”, enfatizou.
Escola Sem Partido e a falácia da neutralidade educacional
O movimento Escola Sem Partido é outra pauta que tem assustado e tirado o sono de alunos, professores e estudiosos da área educacional. O movimento defende a aprovação de uma legislação que coíba o “abuso da liberdade de ensinar”, de acordo com a própria página oficial do movimento. Aqueles que defendem a ideia do “Escola Sem Partido” acusam professores de se travestirem em doutrinadores dos alunos e reivindicam um ambiente escolar baseado na neutralidade.
Porém, para Cléo Manhas, membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o movimento visa combater conquistas sociais como a igualdade de gênero, a liberdade religiosa e os direitos de homossexuais. “Não existe neutralidade. Tudo que fazemos no mundo está impregnado por ideologias. O mais preocupante é que, apesar de esse projeto ser claramente inconstitucional, ele tem vingado na prática”, alertou.
Debatedores criticam duramente o “Escola Sem Partido” (Foto: Alessandro Dantas)Para ela, mesmo que o Escola Sem Partido não tenha se tornado lei, já é possível perceber um claro incentivo às perseguições aos educadores em sala de aula. “O que eles [defensores do projeto] estão chamando de neutralidade, é a cultura da indiferença em relação às desigualdades”, explicou.
Importante destacar que existem posicionamentos da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da Advocacia Geral União (AGU) se manifestando pela inconstitucionalidade de projeto. No caso do parecer da AGU, a análise é feita acerca de lei aprovada no estado de Alagoas, inspirado no “Escola Sem Partido”.
Débora Duprat, subprocuradora-Geral da República, em recente audiência na Comissão de Educação (CE) do Senado, além de demonstrar incômodo com a proporção que o movimento tomou na sociedade brasileira, afirmou que o texto que dá formas ao projeto vai na contramão da concepção contemporânea de educação em todos sentidos, já que compreende o aluno como um receptor incapaz de ter discernimento durante o processo educacional.
“A grande disputa da atualidade para uma educação de qualidade é a queda dos muros da sala de aula. Ter o estudante inserido numa comunidade na qual ele pertence, ciente dos problemas. A formação de alguém que atenda sua comunidade”, disse.
O quadro exposto até o momento pela gestão Temer na área da educação é bem diferente daquele visto durante as gestões Lula e Dilma. Para se ter uma ideia, o orçamento da União para o setor cresceu fortemente: de R$ 18 bilhões em 2002 para R$ 115,7 bilhões em 2014. O aumento real foi de 218%. E novos recursos que estariam a caminho, com os royalties do Pré-Sal, estão seriamente ameaçados pelas mudanças nas regras da exploração do petróleo patrocinadas pelo atual governo.
Além disso, em 12 anos, Lula e Dilma criaram 422 escolas técnicas – três vezes mais do que fizeram todos os governos anteriores em mais de um século de história (140 escolas). Criaram também 18 universidades federais, 173 campus e programas como o ProUni e o Fies, que democratizaram o acesso ao ensino superior. O resultado disso é que o País que levou cinco séculos para ter 3,5 milhões de jovens frequentando universidades, precisou de apenas 12 anos para chegar aos atuais 7,1 milhões de brasileiros universitários.
Esses movimentos do governo Temer na área da educação que ameaçam jogar por terra todo o trabalho realizado durante os 13 anos de governos do PT, aliados a projetos como o que pretende ampliar as possibilidades de terceirização, reduzir direitos dos trabalhadores por meio de alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Reforma da Previdência dão a real dimensão do que pretende a atual gestão do País. Reduzir direitos e ampliar desigualdades.
Ouça o depoimento do professor Anderson Carlos
Ouça o depoimento da professora Elisane Fank
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