Depois de uma longa batalha que se arrastava desde o final de 2011, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal (CCJ) aprovou Projeto de Lei da Câmara (PLC 180/08), relatado pela senadora Ana Rita (PT-ES), que institui o regime de cotas raciais e sociais nas universidades públicas federais e nas instituições técnicas de ensino médio.
“O PLC 180 é fruto de um intenso debate realizado, desde 1999. 50% das vagas por curso e turno, serão reservados para alunos de escola pública. Cor e raça serão utilizadas como ajuste da população da cidade onde a universidade está inserida. Esse projeto esteja respondendo o conteúdo dos dois votos em separado. Porque, meu projeto combina os dois sistemas”, enfatizou a senadora Ana Rita, em defesa de seu relatório, elogiado por todos os senadores.
O parecer da senadora petista derrotou votos em separado apresentados pelos senadores Aloysio Nunes (PSDB-SP) e Lobão Filho (PMDB-MA).O voto vencido de Lobão Filho retomava o projeto original apresentado pela deputada Nice Lobão (PMDB-MA). As universidades federais forneceriam 50% das vagas a estudantes que tivessem cursado o mínimo de quatro anos na escola pública. Já o texto derrotado defendido por Aloysio, pretendia retomar o PLS 479/08 que reservaria 20% das vagas para alunos de família com renda per capita de, no máximo, 1,5 salário mínimo.
Coube à senadora Marta Suplicy (PT-SP) fazer a defesa mais veemente da proposta. Na sua avaliação, no novo regime irá definir o futuro da nação. “Esse é um dos votos mais brilhantes e completos que já vi nesta comissão. Quantas pessoas negras nós conhecemos que vieram do nada e hoje possuem um patrimônio ou são senadores da República? Temos apenas um colega senador que se declara negro. Essa dívida decorrente da escravidão, ainda não foi paga. Estamos aqui discutindo o atraso que podemos ter nos próximos dez anos ou o avanço para que esses negros alcem a classe média e possam colocar comida em casa e sustentar suas famílias”, enfatizou a senadora, visivelmente emocionada.
Após a declaração da aprovação, feita pelo predidente da CCJ, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), as senadoras Ana Rita e Marta Suplicy comemoraram o resultado obtido no colegiado.
Entenda o projeto
O relatório de Ana Rita prevê que 50% das vagas de universidades federais públicas sejam destinadas a alunos egressos de escolas públicas. Destas vagas, 25% serão destinadas a alunos com renda familiar de até 1,5 salário mínimo per capita. Para os outros 25%, não há nenhuma delimitação de renda para concorrência das vagas. Para os 50% das vagas dos egressos de escolas públicas, o critério para distribuição de vagas raciais deve seguir a porcentagem de negros, índios e pardos da cidade onde a universidade está localizada.
Além disso, o projeto determina que sejam feitas avaliações periódicas a cada dez anos para determinar a eficácia da aplicação da ação afirmativa.
“Há um aspecto importante que a senadora Ana Rita salientou, que é o caráter temporário desta lei. Tenho a certeza de que o projeto está muito bem fundamentado. Também gostaria de falar que o senador Paim foi um dos grandes defensores dessa proposta. Convém lembrarmos hoje de sua batalha”, disse o senador Eduardo Suplicy, durante a discussão do projeto.
Exemplo
Para uma instituição que oferece 1000 vagas no período de um ano, 500 vagas serão destinadas a alunos egressos da rede pública de ensino e as outras 500 continuarão sendo de livre provimento. Das vagas destinadas à rede pública, 250 serão destinadas a alunos com renda per capita familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo.
As outras 250 vagas restantes não levarão em conta o corte de renda, apenas o local onde o aluno cursou o ensino médio. Ainda nas 500 vagas reservadas para alunos da rede pública, o preenchimento racial deve obedecer à proporção de negros, índios e pardos da cidade onde a universidade está instalada, seguindo os dados do último censo do IBGE.
“Essa matéria busca garantir a pluralidade racial em nossa sociedade, garantir que a cor da pele não será barreira para ocupação de espaços no mercado de trabalho”, ressaltou a senadora Ana Rita durante a defesa da matéria.
Elogios
Apesar dos votos contrários dos senadores Aloysio Nunes, Álvaro Dias, Luiz Henrique e Lobão Filho, a senadora Ana Rita recebeu aplausos ao final de sua apresentação e o apoio da maioria dos parlamentares, até mesmo de senadores da oposição, presentes à sessão da CCJ.
Marta Suplicy – “Essas pessoas que entram na universidade pelas cotas não passam de ano ou de semestre pelas cotas. Seria injusto se essa comissão não aprovar esse projeto”.
Aníbal Diniz – “Se não houver políticas públicas que atendam à necessidade de corrigir essa distorção histórica, nunca pagaremos a dívida com os menos favorecidos no Brasil, que continuam incorporando os índices mais baixos das classes sociais”. Aníbal ainda lamentou, como apontado pelo relatório de Ana Rita, que o Acre seja um dos três estados que ainda não possuam nenhum tipo de ação afirmativa para ingresso no ensino superior. “É estranho que a Universidade Federal do Acre ainda não tenha nenhuma ação afirmativa, mesmo após o STF decidir pela constitucionalidade do processo de cotas”.
Eduardo Suplicy – “Esta proposição está muito bem fundamentada. Desde que fui aluno da FGV, praticamente não havia negros lá. Hoje, raramente se vê algum estudante negro. Quero, inclusive, recomendar que esta instituição possa seguir a recomendação deste projeto para que se tenham mais negros naquela entidade”.
Pedro Simon – “Parabenizo a senadora Ana Rita pelo seu voto, um dos mais belos e com mais rico conteúdo que já vi por aqui. E, também parabenizo a senadora Marta Suplicy, por ter feito hoje, o mais belo discurso que eu já vi dela. Essa não é uma votação qualquer. Essa votação vai reconhecer que o negro tem direito a ascensão social e ao seu direito. O pobre tem seu direito, desde a gestão do Lula. A Faculdade de Direito da USP, toda burguesa, já recomendou as cotas. Hoje, eu falo em nome do senador Paim, que está em atividade no interior do Rio Grande do Sul. Mas, ele fez questão de dizer que, apesar de não fazer parte desta Comissão, está aqui apaixonado por esta matéria”.
Pedro Taques – “Quantos negros existem nessa sala com a exceção do rapaz que serve café aos senadores? O projeto não parte do conceito de raça. A raça é uma salvaguarda para os dois primeiros critérios que são a escola pública e a renda. Aqueles que estudam sua vida toda em escolas públicas têm menos chance de entrar em universidade pública”.
Benedito de Lira – “Precisamos resgatar gradativamente a dívida que temos com aqueles que são menos favorecidos. Mudo o meu voto, também pela apresentação da senadora Ana Rita e pela manifestação da senadora Marta Suplicy”.
Lúcia Vânia – “Sem dúvida o relatório da senadora Ana Rita é o mais completo e mais preparado para responder ao racismo que ainda persiste no Brasil. Ana Rita fez um relatório brilhante”.
Eunício Oliveira – “A matéria atendeu reclames históricos de personagens à margem da construção da história brasileira”.
Tramitação
O projeto aprovado na Comissão de Constituição e Justiça segue para análise da Comissão de Direitos Humanos (CDH), cujo presidente é o senador Paulo Paim.
Agradecimentos
No plenário, a senadora Ana Rita se pronunciou agradecendo a todos aqueles que participaram da construção de seu relatório.
“Hoje, demos um passo muito importante e que contou com a participação de diversos setores da sociedade. Gostaria de agradecer a participação de todos aqueles que se empenharam pela aprovação desse projeto, inclusive a colaboração de colegas senadores”, agradeceu.
Rafael Noronha
Veja a apresentação da senadora Ana Rita durante a sessão da CCJ
Ouça entrevista da senadora Ana Rita
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Clique com o botão direito para baixar o áudio
Assista à defesa da senadora Marta Suplicy
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