A Comissão de Direitos Humanos (CDH), por iniciativa do senador Paulo Paim (PT-RS), realizou nova etapa do ciclo de debates acerca do Estatuto do Trabalho (SUG 12/2018). O evento desta segunda-feira (10) teve como foco a terceirização das atividades-fim e o impacto desta modalidade nas relações trabalhistas no Brasil.
A representante do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso), Victória Basualdo, classificou como “devastadores” os efeitos da terceirização. De acordo com a pesquisadora, as diferenças salariais praticadas entre funcionários primários e terceirizados exercendo a mesma função não são o único problema verificado nesse tipo de prática.
São verificadas deficiências nos equipamentos de segurança, vestimentas e ferramentas de terceirizados. Daí, surgem o que se chamam de acidentes de trabalho. Mas, na verdade, são consequências de um conjunto de relações e condições laborais”, destacou.
O Estatuto do Trabalho é resultado de uma sugestão apresentada por várias entidades de defesa dos direitos dos trabalhadores. O senador Paulo Paim é relator da proposta que tramita na CDH. Caso a sugestão seja aprovada pelo colegiado, tramitará na forma de um projeto de lei. O texto foi elaborado após meses de consultas e audiências públicas da própria comissão em 2018. O texto é uma resposta à reforma trabalhista (Lei 13.467, de 2017), e aborda todos os temas relacionados à regulação do trabalho, incluindo aspectos de direito material e processual.
O objetivo do Estatuto do Trabalho é recuperar direitos suprimidos com as mudanças promovidas pela Reforma Trabalhista e reverter o processo de precarização promovido pela atualização da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Para Paulo Paim é preciso buscar uma relação equilibrada entre capital e trabalho. Só assim, o Brasil terá uma base para obter um sólido desenvolvimento socioeconômico.
“O mais grave de tudo é a terceirização da atividade-fim. Ela potencializa o trabalho escravo, a exploração da mão de obra e a precarização do trabalho”, resumiu o senador. “Buscam destruir o trabalho formal, a carteira assinada. Vejam o caso das empregadas domésticas: é assustador o número. Chega a ser 70% o número de empregadas domésticas que não têm carteira assinada. Onde é que estão os direitos sociais, o direito dos trabalhadores e das trabalhadoras?”, questionou.
A precarização das relações do trabalho, segundo Luiz Gonzaga Belluzzo, é a ferramenta que aproxima todas as mudanças promovidas pela reforma trabalhista. “A razão que as combina, na verdade, é a perda de direitos humanos, de direitos humanos que foram construídos ao longo da história do capitalismo”, disse o economista.
O Presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luiz Antonio Colussi, enfatizou que a iniciativa de apresentação do Estatuto do Trabalho busca mecanismos, freios e elementos para a concretude do estado democrático de direito.
“A precarização do trabalho se acentuou a partir de 2016. Se admitia a possibilidade da terceirização da atividade-meio, mas nunca da atividade-fim. A reforma trabalhista deixou de ser uma mudança de dez artigos, passou para uma alteração de mais de cem dispositivos da CLT. E ali vimos a precarização total [das relações de trabalho]”, disse o representante de uma das entidades responsáveis pela confecção da proposta em debate na CDH.
Dificuldade na fiscalização e caminho para a escravidão moderna
Os especialistas ouvidos pela CDH também apontaram outros dois sintomas que resultam da precarização e da possibilidade de terceirização da atividade-fim das empresas: a dificuldade enfrentada pelos auditores fiscais para fiscalizar e responsabilizar responsáveis por irregularidades, além de esse tipo de modalidade abrir caminho para a exploração do trabalho análogo ao de escravo.
“Por detrás de tudo isso, o que nós temos é violação de direitos fundamentais, é a base da Constituição, ou seja, a Constituição da República tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. Então, qualquer interpretação sobre a qual nós nos debrucemos tem de estar amparada sob esse viés, sob esse pilar, sob essa matriz, sob esse viés”, destacou a auditora-fiscal do Trabalho e representante do SINAIT, Beatriz Cardoso Montanhana.
“Enquanto houver o barateamento de custos para isso, para esse tipo de contratação, nós reduziremos os direitos dos trabalhadores ao ínfimo, abaixo do patamar civilizatório necessário”, emendou.
A procuradora do Trabalho, Carolina Pereira Mercante, também relatou que as investigações realizadas pelo Ministério Público do Trabalho detectaram o aumento da jornada, a diminuição da remuneração, a fragmentação sindical e a dificuldade da responsabilização [de ilícitos].
“Lamentavelmente há trabalho análogo ao de escravo em todos os cantos do país. Infelizmente temos, ainda, no século XXI de conviver com essa chaga. Ao mesmo tempo que temos avanços tecnológicos, uso de nanotecnologia, temos trabalhadores que tinham como água, a água da chuva. É neste país que ainda vivemos”, alertou.
O novo Estatuto do Trabalho, de acordo com o senador Paulo Paim, está pautado na busca pela promoção dos direitos sociais e como forma de buscar a construção de uma sociedade justa, fraterna, solidária, democrática, combatendo todas as formas de discriminação, preconceito, racismo, trabalho escravo e a própria precarização.