Caso Bruno e Dom

Violência contra povos tradicionais cresceu durante o atual governo

Convidados para audiência que debateu aumento da criminalidade e de atentados na região Norte do Brasil apontaram que desmonte de mecanismo de controle e estímulo a práticas criminosas deixou expostos povos indígenas e comunidades quilombolas
Violência contra povos tradicionais cresceu durante o atual governo

Foto: Alessandro Dantas

A Comissão de Direitos Humanos (CDH), presidida pelo senador Humberto Costa (PT-PE), em conjunto com a Comissão Temporária sobre a Criminalidade na Região Norte, recebeu nesta quarta-feira (22) representantes de entidades indigenistas para debater o aumento da criminalidade e de atentados na região Norte do Brasil.

Para eles, o assassinato do ativista Bruno Araújo e do jornalista britânico Dom Phillips, ocorridos na última semana, não foram fatos isolados e estão num contexto de criminalidade crescente na região Amazônica, em especial no Vale do Javari.

Logo no início da audiência pública, o senador relatou que a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) detinha informações que davam conta das constantes ameaças que o indigenista Bruno Araújo sofria por parte de madeireiros, garimpeiros e pescadores. Bruno era servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai) e ocupava o cargo de coordenador-geral de Índios Isolados e Recém-Contatados. Mas estava licenciado do cargo em decorrência das pressões e ameaças que vinha sofrendo em função de sua atividade na Funai.

“Desde o início do governo Bolsonaro foram denunciados o desmantelamento do aparelho estatal de repressão a criminalidade ambiental, de proteção às minorias e o ataque incessante contra a imprensa. Contexto que está intimamente relacionado com o caso Bruno e Dom. O governo falha em combater atividades criminosas e, estranhamente, tenta legalizá-las”, criticou o senador Humberto.

Segundo levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT), pelo menos 313 pessoas perderam a vida em disputas por terra na região. Os grupos mais vitimados foram os povos indígenas com 26% dos assassinados e os quilombolas com 17%. Só em 2021, segundo a CPT, foram registradas ameaças de morte contra 32 lideranças indígenas ou servidores que atuam em defesa dos territórios.

Bruno e Dom morreram na mesma região de outro colaborador da Funai
Fernando Vianna, presidente da Indigenistas Associados (INA), afirmou que a morte de Bruno e Dom não foram simples fatos isolados. O assassinato de ambos, segundo ele, se insere num contexto mais amplo e problemático que ocorre na região.

Fernando lembrou aos parlamentares que o indigenista e o jornalista foram mortos na mesma região em que, no ano de 2019, um colaborador da Funai também foi assassinado por conta de seu trabalho de fiscalização e combate a atividades criminosas.

“Há todo um quadro de invasão de pessoas que ingressam nas terras para atividades ilegais. Junto com os crimes ambientais mais costumeiros, como pesca e caça ilícitas, há articulações com forças do crime muito mais complexas, com conexões com o narcotráfico internacional e o comércio de armas”, afirmou.

Fernando Vianna também criticou o trabalho da atual direção da Funai. De acordo com o presidente da INA, a atual direção da Funai não tem nenhum compromisso com os direitos indígenas, mas com interesses econômicos e de setores que disputam a posse de terras e querem se apoderar de recursos naturais que ficam dentro dos territórios ocupados pelos povos tradicionais.

Escalada de violência na região começou em 2019
Eliesio Marubo, representante da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (UNIVAJA), afirmou que a escalada de violência na região onde Bruno e Dom foram assassinados se deu a partir de 2019. Ele contou aos senadores que toda a diretoria da entidade está sob constante ameaça de morte por parte dos criminosos que ocupam a localidade do Vale do Javari.

De acordo com Eliesio, a atuação da UNIVAJA se tornou mais importante na proteção dos povos indígenas da região em decorrência da ausência do Estado.

“Que país é esse em que estamos vivendo? Quantos Brunos e Doms precisarão morrer? Temos que andar com segurança, com carro blindado. Não estamos vivendo num país em guerra. Não estamos pedindo nada demais. Só queremos ter acesso as garantias constitucionais trazidas ao povo brasileiro. E isso não é crime”, disse. “Certamente vamos continuar brigando pelos nossos parentes, exigindo que o Estado cumpra com aquilo que já é garantido e que não precisaríamos, em tese, colocar nossa vida em perigo para obter como contrapartida a atuação do Estado”, completou.

Foto: Alessandro Dantas

A UNIVAJA entregou aos senadores um documento contendo todas as denúncias de violações contra os povos indígenas feitas pela instituição a diferentes órgãos e entidades locais e federais. “Gostaria muito de ouvir o que a Funai tem a dizer. O que o MP fez com tantas denúncias que temos feito? É importante esse acompanhamento da comissão, para darmos respostas às famílias e à sociedade”, disse Eliesio.

Os senadores informaram que vão enviar comunicado a cada uma das autoridades que em algum momento recebeu denúncias e cobrar providências sobre o que foi feito desde então.

Críticas ao representante da Funai
Geovanio Oitaia Pantoja, coordenador-geral substituto de Índios Isolados e Recém-Contatados da Funai, informou que o órgão só soube do desaparecimento de Bruno e Dom na segunda-feira de manhã e, no mesmo dia, entrou nas buscas, que já estavam sendo feitas desde domingo pela Univaja.

Ainda segundo ele, a Funai tem feito ações de repressão e fiscalização dentro de territórios indígenas com apoio da Força Nacional de Segurança Pública e a Polícia Militar.

Depois de ter pressionado o representante da Funai para esclarecer mais detalhes sobre a atuação da entidade na região e para saber de quantas operações de fiscalização ele havia participado, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) reagiu ao constatar que Geovanio estava em Brasília, mas participando da audiência pública por meio virtual. “Ele está aqui em Brasília falando conosco por via remota! O senhor estar falando daqui é um desrespeito a essa comissão”, afirmou.

O senador Humberto Costa afirmou que voltará a convidar o representante da Funai para que compareça presencialmente ao Senado para esclarecer dúvidas em relação ao seu trabalho. Humberto também informou que convidará o presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva, para comparecer ao colegiado. Para o senador, é fundamental que Marcelo seja ouvido acerca do que tem sido feito para proteger as comunidades indígenas do Vale do Javari.

Foto: Alessandro Dantas

O comparecimento presencial de Geovanio também foi requisitado pelo vice-presidente da comissão temporária, senador Fabiano Contarato (PT-ES). O senador destacou que a atual situação da Funai é “muito grave”.

“Esse governo está armando grileiros e enfraquecendo órgãos de fiscalização em todos os cantos do país. Os órgãos que deveriam estar atendendo os povos tradicionais estão sucateados. E o mesmo governo que enfraquece os órgãos fiscalizadores estimula crimes ambientais, por isso essas duas comissões precisam jogar luz nesta situação”, apontou.

Ausência do ministro da Justiça
As comissões também ouviriam, ainda nesta quarta, o ministro da Justiça, Anderson Torres. Mas até o final da audiência realizada pela manhã, Anderson não havia confirmado sua presença.

No início da tarde, a audiência pública foi adiada em decorrência da não ida do titular do Ministério da Justiça ao Senado.

O senador Humberto Costa afirmou, ainda durante a reunião da manhã, que estuda a apresentação de um requerimento de convocação do ministro, obrigando-o a comparecer ao Senado, caso perceba que ele não esteja disposto a prestar esclarecimentos aos senadores voluntariamente.

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