As redes de educação não cumprem satisfatoriamente a obrigação, estabelecida pela Lei 10.639/2003, de ensinar sobre a história e a cultura afro-brasileiras. É a constatação dos participantes de audiência pública interativa da Comissão de Direitos Humanos (CDH) realizada nesta segunda-feira (3/7), presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS).
A intenção do senador com o debate era avaliar os 20 anos de vigência da legislação. A norma determina que todas as escolas de ensino fundamental e médio incluam o estudo da história e cultura negra, resgatando a contribuição deste povo nas áreas social, econômica e política.
As escolas devem tratar da história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional. A lei também instituiu no calendário escolar o Dia Nacional da Consciência Negra no dia 20 de novembro.
Levantamento divulgado neste ano pelo Instituto Alana e Geledés Instituto da Mulher Negra ouviu gestores de 1.187 secretarias municipais de Educação, o que corresponde a 21% das redes de ensino dos municípios. Segundo o levantamento, 29% das secretarias têm ações consistentes e perenes de atendimento à legislação; 53% fazem atividades esporádicas; e 18% não realizam nenhum tipo de ação.
“Infelizmente, sete em cada dez secretarias municipais de educação não realizaram ou realizaram poucas ações para implementação do ensino da história afro-brasileira. Precisamos contar todas as histórias do Brasil, pois não existe uma história única. É uma das mais importantes ações para a mudança cultural e social do país. E para que isso aconteça precisamos contar com o apoio de todos. A implementação da lei é combater o racismo na prática”, destaca.
Racismo estrutural
A visão da educação como instrumento de transformação social é compartilhada pela coordenadora-geral da Memória e Verdade sobre a Escravidão e o Tráfico Transatlântico do Ministério de Direitos Humanos (MDH), Fernanda do Nascimento Thomaz. Para ela, a necessidade de uma lei para incluir conteúdos sobre negros na grade curricular acusa que o Brasil possui um sistema racista.
Ela ressaltou o caráter escravista da formação do país, lembrando que o período posterior aos 300 anos de escravidão dos negros veio acompanhado de políticas que institucionalizaram o racismo.
Fernanda Thomaz mencionou as políticas de branqueamento da população na virada dos séculos 19 e 20, influenciadas pela ideologia eugenista, que, eivada de racismo, pontificava por um pseudomelhoramento genético. Também ressaltou o histórico de resistência da população negra, que resultou na própria Lei 10.639, de 2003.
“A pesquisa mostrou o quanto foi pouco implementado o ensino da história afro-brasileira. É urgente pensar que a implementação da lei é política de Estado. Um dos braços hoje do MDH é [ver] a educação como um espaço político e de conflito. Iremos batalhar pela educação progressista e inclusiva. Sem isso, não há democracia e um mundo mais humano”, enfatiza.
Tânia Portella e Beatriz Soares Benedito, responsáveis pela pesquisa, destacam a necessidade de destinar valores no orçamento público específicos para a implementação da lei e definir mecanismos de monitoramento estatal. Tânia Portella criticou as políticas públicas municipais por se contentarem com ações de conscientização e utilizarem a falta de apoio dos entes federados como desculpa para não realizar outras ações.
“Independentemente de receber apoio de outros entes federados, é responsabilidade dessas secretarias a implementação dessa política”, explica Tânia.
Selo Zumbi dos Palmares
Paim destacou o fato de o Senado ter aprovado, em novembro de 2021, o selo Zumbi dos Palmares, a ser conferido aos municípios que adotarem políticas de ação afirmativa para combater o racismo. Proveniente do Projeto de Resolução do Senado (PRS) 55/2020, do próprio Paim, o selo tem o objetivo de estimular as cidades a implementar ações inclusivas.
Com informações da Agência Senado