Parlamentares e representantes do movimento negro demonstraram preocupação com a possibilidade de votação, ainda nesta semana, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 9/2023) que prevê anistia a partidos políticos que deixaram de financiar candidaturas de pessoas pretas e pardas nas eleições. O tema foi debatido durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos (CDH) sobre a participação de pessoas negras na política.
Aprovada na Câmara dos Deputados em julho deste ano, a proposta agora será analisada pelos senadores. A PEC 9/2023 consta na pauta da reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da próxima quarta-feira (14/8).
Segundo a proposta, fica proibida a aplicação de multas ou a suspensão do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha aos partidos que não tiveram o número mínimo de candidatas mulheres ou negros em pleitos anteriores. As legendas também ficam isentas de punições por prestações de contas com irregularidades antes da promulgação da PEC.
“Depois de conquistas e aprovações legislativas importantíssimas, ninguém quer retrocessos. A lei ter que vir para avançar, e não para retroceder. Creio e tenho fé que o Senado deverá modificar essa proposta, no mínimo, não votar este ano. No mínimo, deixar para um debate mais aprofundado, que poderemos fazer nos próximos dois anos”, defendeu o senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da CDH, na abertura da audiência pública.
A deputada Reginete Bispo (PT-RS) criticou outro ponto da PEC 9/2023. O dispositivo determina alocação de 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do Fundo Partidário a candidaturas de pessoas pretas e pardas, de acordo com a preferência das organizações partidárias.
“Na Câmara dos Deputados, propus emendas para que fosse estabelecido um piso de 30%, proporcional ao número de candidaturas negras. Quando você coloca 30% como teto, e não como piso, você na verdade limita nossa presença e nossa participação. Os outros 70% vão ficar disponibilizados para pessoas não negras. É uma lei que, se aprovada, é inconstitucional por si só”, alertou.
Na avaliação da ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Vera Lúcia Santana Araújo, é essencial que os partidos políticos cumpram as cotas de candidaturas e de recursos previstos para candidatos negros.
“Não há muita razoabilidade viver uma dissonância tão grande entre sermos 56% da população e termos uma representação tão insignificante nas casas legislativas”, disse a ministra.
O representante da Educafro Brasil, Frei David dos Santos disse ter certeza de que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), dará mais tempo para que os parlamentares e a sociedade aprofundem o debate sobre o tema.
“Tenho certeza de que Rodrigo Pacheco vai deixar essa PEC ter melhor debate, melhor reflexão. Não vai deixar essa PEC ir adiante. O erro cometido na Câmara pode ser corrigido no Senado”, afirmou.
Para Aline Karina, representante do Núcleo de Base de Mulheres Negras do PT, a proposta com o texto aprovado pela Câmara dos Deputados representa um “retrocesso significativo na luta pela igualdade racial”.
Já a representante da Coalizão Negra por Direitos, Iyá Sandrali Bueno alertou para o fato de a PEC diminuir para menos da metade os recursos financeiros e o tempo de propaganda para candidaturas negras.
O ex-ministro da Igualdade Racial Martvs Chagas também criticou o teor da PEC 9/2023. Em sua avaliação, a participação negra na política só aumentará com uma maior participação de pessoas negras nas organizações partidárias.
“Se a gente é tão bom na sociedade civil, se é de base, se conversa com a base, se tem a confiança da base, por que a gente não conversa com essa base e fala para essa base toda se filiar aos partidos políticos e tomar o poder das pessoas brancas que lá estão? Se não é isso, não muda”, disse.