A Comissão de Direitos Humanos (CDH) realizou, nesta segunda-feira (10), a última audiência pública para debater o PL 5.970/2019. O projeto de lei, que será votado na próxima quarta-feira (12), regulamenta a expropriação de propriedades em que seja constatada a exploração de trabalho em condição análoga à escravidão.
Somente no ano de 2022, foram resgatados 5.575 trabalhadores. Entre janeiro e o último dia 20, foram contabilizados 918 casos, um aumento recorde de 124% em relação ao mesmo período de 2022. Entre 1995 e 2022, o Brasil resgatou mais de 60 mil pessoas em situação de trabalho análogo à escravidão. Os números mostram a urgência com que o tema deve ser tratado para pôr fim, definitivamente, a chaga do racismo no Brasil.
“Nos últimos anos, houve considerável aumento de pessoas trabalhando em situação de escravidão no Brasil. São vários setores, tanto no campo como na cidade, em que se percebeu o avanço do trabalho escravo: lavouras de cana-de-açúcar, pecuária, fumo, cultivo de carvão vegetal, desmatamento florestal, extrativismo vegetal, mineração, construção civil, confecção têxtil, entre outras na cidade”, elencou o senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da CDH.
O projeto, de autoria do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e relatoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), dá efetividade à determinação da Constituição Federal, que, desde 2014, por meio da Emenda 81, já estabelece a desapropriação no caso de trabalho escravo, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Mas desde então não foi criada uma norma para regulamentar o confisco de propriedades onde haja a prática desse crime, como exige a Constituição.
O secretário de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, Luiz Felipe Brandão de Melo, destacou o papel do Estado no combate à prática criminosa de exposição de cidadãos ao trabalho análogo ao de escravo.
“Se nós temos tantos trabalhadores vulneráveis, de alguma forma, o Estado já vinha pecando”, disse. “Então, acho que nós temos que pensar nessa questão da falta do Estado, em como agir para que a gente não tenha uma população tão vulnerável como a que estamos tendo hoje”, emendou.
Na última semana, o Ministério do Trabalho atualizou a lista suja do trabalho escravo. Foram acrescentados 132 novos nomes, maior atualização desde 2017, totalizando, então, 289 nomes de empregadores.
Essa é uma das ferramentas existentes no Brasil para coibir a prática delituosa que é reconhecida mundialmente. O jornalista Leonardo Sakamoto relatou que o país é visto pelas Nações Unidas como um dos principais exemplos globais no combate ao trabalho escravo contemporâneo justamente pelo conjunto de normas existentes.
Ex-membro do Conselho de Curadores do Fundo das Nações Unidas sobre Formas Contemporâneas de Escravidão, o jornalista ressaltou que o Brasil, apesar de ser um exemplo global no combate a esses crimes, hoje corre o risco de perder esse status, justamente por ter parado no tempo no combate à escravidão moderna.
“Nós avançamos bastante durante décadas, mas o mundo está avançando a partir de onde o Brasil parou”, alertou.
Dentro do arcabouço legal existente no Brasil existe a aplicação de multas pela inspeção do trabalho, a lista suja, o artigo 149 do Código Penal, a proibição de crédito para quem se utilizar desse tipo de mão de obra análoga à de escravo, regulamentada, inclusive, pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central.
Para o diretor de combate e superação do racismo do Ministério da Igualdade Racial, Yuri Santos de Jesus da Silva, o trabalho análogo à escravidão é uma chaga social, uma doença das relações humanas e trabalhistas do Brasil que se relaciona diretamente com a origem escravista do Brasil, o último país das Américas a abolir oficialmente o sistema socioeconômico escravista após quase 400 anos de escravidão e massacre da população negra.
“Discutir a punição severa de quem ainda pratica o trabalho análogo à escravidão em plena terceira década do século XXI, é fundamental para o processo de acumulação de conquistas que vai resultar, mais cedo ou mais tarde, no horizonte que todos nós miramos de superação do racismo”, pontuou.
Ao final da audiência, o senador Paulo Paim destacou a posição unânime dos especialistas no tema em favor da regulamentação do tema. Apesar de terem sido solicitadas por membros de oposição, nenhum deles compareceu para participar dos debates promovidos pela CDH.
“Os senadores pediram duas audiências sobre o tema. Por incrível que pareça, não teve nenhum painelista contra o projeto. Aprovar esse projeto demonstra para aqueles que adotam essa forma de agir para enriquecer, que ele vai perder aquilo que tem”, disse.
“Tenho muita esperança de que depois de tantos anos, agora esse tema será votado. Acredito que vamos aprovar e o presidente Lula vai sancionar. Para que possamos gritar aos quatro ventos ‘Trabalho escravo, não. Trabalho escravo é crime’”, finalizou o senador.
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