Insegurança jurídicaPolitização do Supremo

Moraes a um passo do STF pela porta do golpe

Homem de confiança de Temer teve indicação aprovada na CCJ por 19 votos favoráveis; petistas votaram contra
Moraes a um passo do STF pela porta do golpe

Foto: Alessandro Dantas

Por um placar de 19 x 7 votos e após 12 horas de sessão, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou agora à noite a indicação de Alexandre de Moraes para integrar o Supremo Tribunal Federal. Se a decisão do colegiado for confirmada pelo plenário, Moraes chegará ao STF “pela porta do golpe, não pela porta da democracia”, avalia a senadora Fátima Bezerra (PT-RN), que manifestou essa opinião ao postulante durante a sabatina na CCJ.

A decisão final sobre a indicação de Moraes será tomada pelo conjunto dos 81 senadores em sessão deliberativa marcada para as 11 horas desta quarta-feira (22).

“É uma indicação ilegítima, porque ela parte de um governo ilegítimo”, sustenta Fátima Bezerra. Ela e outros cinco petistas que integram o colegiado— a líder Gleisi Hoffmann (PR), José Pimentel (CE), Lindbergh Farias (RJ), Paulo Paim (RS) e Regina Sousa (PI)—participaram da longa inquirição de Moraes.

Vinculações partidárias

“Não é possível que a gente tenha um ministro no Supremo Tribunal Federal com vinculações e compromissos partidários”. A frase, ainda que perfeitamente adequada à situação vivida na CCJ, nesta terça-feira (21) não partiu dos petistas ou outros representantes da oposição. É uma citação do senador Aécio Neves (PSDB-MG) que em dia 13 de maio de 2015, em Nova York, comentava a sabatina do ministro Edson Facchin, então postulante ao STF.

[blockquote align=”none” author=”Gleisi Hoffmann”]Os leões de outrora com o ministro Facchin, que rugiram contra suas posições político-partidárias, hoje estão aqui gatinhos, muito mansos nesta sabatina[/blockquote]

Citada por Gleisi, a fala de Aécio expôs a contradição dos agora governistas. “Fico espantada como as pessoas se adequam rapidamente às conjunturas que lhes interessam”, a líder petista criticava a sucessão de discursos de integrantes da base de apoio a Michel Temer, que defendiam o “respeito aos posicionamentos político-partidários” dos indicados ao STF—no caso, Alexandre Moraes. “Os que foram os leões de outrora com o ministro Facchin, rugiram contra suas posições político-partidárias, hoje estão aqui gatinhos, muito mansos nesta sabatina, diante de um militante partidário convicto”, apontou a senadora.

Além de ressaltar a condição de Moraes como militante e até recentemente filiado ao PSDB, Gleisi manifestou preocupação com posicionamentos do postulante que chegam à perseguição política a quem se coloca em campo oposto. Como o PT, por exemplo.

Animosidade escancarada
A senadora lembrou as justificativas de Moraes para a repressão violenta da polícia paulista—sob seu comando, quando secretário de Segurança Pública—a manifestantes contra o impeachment de Dilma: “Simpatizante aqui do governo corrupto, que foi colocado para fora do Brasil pela corrupção, pela falta de vergonha na cara”.

Diante dessa animosidade escancarada, Gleisi cobrou de Moraes que, confirmado ministro do STF, declare-se sob suspeição para decidir sobre o recurso contra o impeachment, os processos contra o PT  no Supremo Tribunal Federal e também nas ações decorrentes da operação Lava Jato. “Seria importante para a democracia brasileira”, frisou a líder petista.

[blockquote align=”none” author=”Regina Sousa”]“O senhor não sente que pode ser acusado de estar indo para o STF para estancar a sangria?”[/blockquote]

Imparcialidade e suspeição
Diante da possibilidade de ser julgada por Moraes, Gleisi já havia anunciado a decisão, amparada na ética e no Regimento do Senado, de declarar-se impedida de participar da votação relativa ao indicado.

As causas de impedimento e suspeição estão previstas nos artigos 134 a 138, do Código de Processo Civil (CPC) e dizem respeito à imparcialidade do juiz no exercício de sua função. É dever do juiz declarar-se impedido ou suspeito, podendo alegar motivos de foro íntimo, quando considerar que não poderá julgar com isenção determinada questão. Gleisi, a julgadora desta terça-feira, cumpriu a regra. Já Moraes não admitiu fazer o mesmo: “Não acho que é o caso de declarar previamente impedimento ou suspeição em nenhum caso”, afirmou.

“Faça o que eu digo, não faça o que eu faço”
Fátima Bezerra apontou a contradição de Moraes, que aceitou a postulação ao STF após ter defendido que ocupantes de cargo de confiança não devem ser indicados à Corte pelo mesmo governo ao qual serviram. A questão já havia sido levantada por outros senadores, e sempre esquivada pelo postulante, que tratou a tese como um exercício acadêmico constante em sua tese de doutorado.

“Tergiversou, deu desculpas, mas não respondeu ao que a população realmente quer saber: é ético defender uma posição como teórico do Direito e, quando tem oportunidade de defendê-la na prática, não o fazer?”, cobrou Fátima. Para a senadora, não é correto nem bom sintoma que se mude de ideia por conveniência. “A não ser que o senhor siga aquela velha máxima, do faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.”

Uso do cargo
A senadora não vê problemas na filiação partidária de Moraes ao PSDB—que, aliás, não é a única de sua trajetória de militante. “Consultando o site do TSE, vi que o senhor foi filiado ao PSDB, ao DEM, ao PMDB… Dependendo da época”. Integrar um partido, ressaltou ela, é legítimo. “O problema é usar cargo público para fazer política partidária”.

Às vésperas da eleição municipal de 2016, participando de um ato de campanha do PSDB em Ribeirão Preto (SP), Moares, ainda ministro da Justiça, fez declarações à imprensa antecipando ações da Lava Jato. “Vocês vão lembrar de mim”, afirmou na ocasião. No dia seguinte, ocorreu a prisão do ex-ministro Antonio Palocci pela Polícia Federal, subordinada à pasta do hoje postulante ao STF. Por conta desse fato, a Comissão de Ética Pública recomendou aos ministros que tenham cuidado com suas falas públicas.

Vazamentos e estancamentos
Regina Sousa (PT-PI) também cobrou do candidato a ministro do STF uma posição a cerca vazamentos de informações sobre investigações em curso. Para a senadora, há clara seletividade nesses vazamentos. “Até parecia que tinha um contrato com certa rede de televisão, que era quase ao vivo o vazamento das delações. Nessa última [a delação dos executivos da Odebrecht, que envolve diversos nomes do governo Temer, inclusive o próprio presidente], não saiu uma vírgula”.

Ainda sobre a Lava Jato, Regina quis saber a posição de Alexandre Moraes, homem de confiança de Temer, sobre a intenção manifestada pelo líder do atual governo no Congresso, Romero Jucá (PMDB-RR), flagrado em grampo telefônico defendendo o afastamento da presidenta Dilma para “estancar a sangria”—as investigações da Lava Jato. “O senhor não sente que pode ser acusado de estar indo para lá para estancar a sangria?”.

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Reprodução autorizada mediante citação do site PT no Senado

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