Ponto a ponto

Entenda os motivos pelos quais a PEC das Drogas deve ser rejeitada 

Senadores do PT e especialistas alertam para problemas em diversos aspectos da proposta em análise

Alessandro Dantas

Entenda os motivos pelos quais a PEC das Drogas deve ser rejeitada 

Senadores do PT se posicionaram contra a mudança na Constituição. Para eles, PEC apresenta diversos problemas

A PEC das Drogas, em debate no Senado Federal, não deixa claro como fará a diferenciação entre usuário com pequena quantidade de drogas e o traficante. Mas esse não é o único ponto preocupante dessa proposta de mudança na Constituição Federal. Há diversos problemas que podem piorar os reflexos do enfrentamento ao uso de drogas e seus reflexos na sociedade, com a adoção de medidas populistas que prometem soluções fáceis para um problema extremamente complexo, com implicações sociais, familiares e de saúde pública, não apenas de segurança pública (nem mesmo esses, aliás, seriam resolvidos com a proposta em análise).  

A PEC, que deve ser votada em plenário na próxima terça-feira (16/4), não enfrenta a questão relacionada à saúde pública dos dependentes químicos e pode servir para agravar o encarceramento em massa de, em maioria absoluta, pretos e pobres, que ficarão à mercê do crime organizado dentro das cadeias brasileiras.   

“Eu não tenho dúvida de que essa PEC não define quem é traficante, quem é usuário e, pior ainda, vai cada vez mais agravar a situação do sistema prisional, para colocar na cadeia, como se fossem traficantes, pessoas que têm problemas de dependência química”, alertou Contarato. 

PEC das Drogas: combate à violência ou criminalização da pobreza?

A PEC foi apresentada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em setembro do ano passado, como resposta à análise do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a possibilidade de descriminalização do porte da maconha para consumo pessoal. Ainda não há consenso na Corte sobre a quantidade que deve ser considerada para essa diferenciação entre traficante e usuário. 

Em 2006, o Congresso Nacional aprovou a Lei 11.343, conhecida como Lei de Drogas, e despenalizou o usuário de drogas, conforme o artigo 28 da legislação. Ao ser flagrado transportando ou portando entorpecentes, não é autuado em flagrante, não é registrado como criminoso e não paga fiança.  

O legislador optou por não aplicar a pena restritiva de liberdade ao usuário, mas medidas para alertar sobre os riscos e evitar o vício, aplicando tratamento diferenciado em relação ao traficante. Com a PEC, essa mesma pessoa, ainda que usuária, pode ser indiciada por tráfico. E esse tem sido o ponto mais citado pelos senadores contrários à medida.  

“A proposta fala em diferenciar usuário de traficante, mas não explica como objetivamente fazê-lo. Ou essas pessoas são dependentes [químicos] ou não são. Se são dependentes, essas pessoas deveriam ter acesso ao tratamento. Deveríamos estar preocupados em resolver esse problema de forma ampla, debatendo a situação social, econômica, o acesso à educação, a cultura e ao lazer. Essas coisas é que podem resolver a questão do enfrentamento às drogas”, apontou o senador Humberto Costa (PT-PE).

Criminalização de porte e posse pode agravar problemas ligados às drogas, avaliam senadores

O senador Marcelo Castro (MDB-PI), médico há décadas, também teceu duras críticas à proposta durante as discussões na CCJ. Para ele, a PEC é problemática justamente por equiparar o usuário ao traficante de drogas.

“Nós estamos equiparando o usuário, o dependente, o doente, o recreativo, ao traficante, a um criminoso. Nós estamos colocando na Constituição que todo aquele que for pego com qualquer quantidade de droga, meio grama, é um criminoso. Isso é sensato? Isso é razoável? Eu entendo que não”, afirmou.

A diferenciação entre usuário e traficante, infelizmente, não é a única problemática envolvendo a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 45/2023). Abaixo, confira outros pontos problemáticos do texto.

Criminalização da pobreza 

O ministro Alexandre de Moraes, ao votar sobre a descriminalização do porte de drogas, destacou dados expressivos sobre características dos indiciamentos no Brasil: pessoas brancas precisam portar 80% a mais de entorpecentes do que uma pessoa preta para ser indiciadas por tráfico de drogas, em média.  

“É razoável que nós, legisladores, incentivemos a perpetuação da criminalização da pobreza e da cor da pele?”, questiona o senador Fabiano Contarato, ecoando as informações apresentadas por Moraes.  

Se aprovada, PEC das Drogas só agravará situação do sistema prisional, alerta Contarato

Na avaliação do senador, o Congresso Nacional deveria estabelecer, com critérios objetivos e subjetivos, quais condutas serão tipificadas para tráfico e quais serão adequadas para o porte de substância para uso próprio, sem deixar dúvida ou margem para a criminalização exacerbada de usuário de drogas, especialmente os que vivem em bolsões de pobreza e são, em sua maioria, pretos e pardos. 

“A PEC não soluciona o problema concreto dos mais vulneráveis, tanto do ponto de vista da saúde quanto da segurança pública. Esses mecanismos, infelizmente, ainda não estão em discussão no Legislativo brasileiro”, lamentou o senador. 

A proposta em análise no Senado Federal considera crime a posse e o porte de qualquer quantidade de droga, “observada a distinção entre o traficante e o usuário pelas circunstâncias fáticas do caso concreto”. A legislação em vigor também foi aprovada sem a previsão de prender usuários. O fato é que, o texto atual não estabeleceu critérios para tal distinção. E é justamente esse vácuo jurídico em debate no Supremo Tribunal Federal (STF).  

O problema é que, sem parâmetros objetivos, as “circunstâncias fáticas” sempre dependerão da interpretação de cada policial ou juiz. 

Dos 650 mil presos no Brasil, 28% foram encarcerados com base na Lei Antidrogas, a maior parte portando pequenas quantidades.  

Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que, se houvesse limite de 25 gramas para consumo pessoal, 27% dos condenados por porte de maconha poderiam sair da cadeia. Se o limite fosse de 150 gramas, seriam 59%. 

A indefinição da quantidade que separa traficantes e usuários só interessa a facções criminosas, pois mantém um fluxo constante de mão de obra a ser aliciada nos presídios, onde ninguém resiste ou mesmo sobrevive se não aceitar ser soldado do tráfico. 

Brasil na contramão 

Em 2020, a Comissão de Drogas Narcóticas das Nações Unidas aprovou a reclassificação da maconha e da resina derivada da cannabis para um patamar que inclui substâncias consideradas menos perigosas segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). 

Na prática, a decisão não retira a necessidade de os países estabelecerem controles contra a proliferação da droga. A medida também não tem o poder de mudar, por si, as políticas adotadas por cada nação sobre a maconha e seus derivados. 

“Dependente químico precisa de ajuda, não ser tratado como criminoso”, alerta Contarato

Porém, com a reclassificação, a maconha deixa de ocupar uma lista de substâncias consideradas “particularmente suscetíveis a abusos e à produção de efeitos danosos” e “sem capacidade de produzir vantagens terapêuticas”. 

Nessa lista de drogas mais perigosas, a maconha estava posicionada ao lado de substâncias como a heroína. Agora, a cannabis fica posicionada entre outros entorpecentes, como a morfina, que a organização também recomenda controle, mas admite ter menos potencial danoso. 

Mudança pode prejudicar uso terapêutico  

Durante a discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o senador Jaques Wagner (PT-BA) fez um importante alerta sobre a possibilidade de o texto da proposta, da forma que foi apresentado, acabar punindo os pacientes que fazem uso medicinal do óleo de canabidiol ou as cooperativas que se organizam para produzir a substância.   

“Temos pelo menos dez cooperativas que produzem o óleo para não ter que contrabandear de outros países, nos quais você compra esse produto em prateleiras de supermercado. Estou falando de um remédio feito a partir de um derivado da mesma planta. Nós precisamos dar uma luz para essas pessoas. Não podemos fechar os olhos para a ciência”, argumentou. 

Suzy Araújo, presidenta da Sociedade Brasileira de Enfermagem Canábica, explicou em entrevista ao Brasil de Fato que o Ministério da Saúde, por meio da Anvisa, tem feito reuniões técnicas e consultado especialistas para saber a opinião das pessoas sobre a inclusão da planta na farmacopeia, “tirando ela desse lugar de planta criminalizada e devolvendo-a para o lugar de planta medicinal, que tem que ter um uso acompanhado por profissionais de saúde”. 

Para ela, as pessoas que já usam e encontram na cannabis um remédio para síndromes raras, transtornos, dores crônicas, e doenças, acabam ficando prejudicadas por se sentirem inseguras e ansiosas, “com medo de perderem o direito de dar continuidade aos seus tratamentos.” 

Tramitação 

A PEC das Drogas já foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado e aguarda análise do plenário. Na próxima segunda-feira (15/4) haverá uma sessão de debates para que especialistas opinem sobre o texto. No dia seguinte (16/4), a proposta entrará na pauta de votações e deve ser analisada em primeiro turno. Por se tratar de mudança constitucional, a proposta ainda passará por um novo turno de votação. Em caso de aprovação, a medida seguirá para análise da Câmara dos Deputados. 

To top