Humberto: Brasil tem a obrigação de revisar Lei de Anistia

É uma “falsa conciliação” que deixou o Brasil sem um real acerto de contas com o passado.

Humberto: Brasil tem a obrigação de revisar Lei de Anistia

“Um País que trabalha para construir um futuro mais justo e mais democrático não pode viver permanentemente assombrado por esses horrores ocorridos no passado e jamais resolvidos”

 

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 “Por mais duras que sejam as implicações,
temos a obrigação de lidar com essa questão.
É a oportunidade de fazer justiça”
(Agência Senado)

 

Brasil tem a obrigação de contemplar uma revisão na Lei de Anistia, como forma de consolidar a jovem democracia no País. É o que defende o senador Humberto Costa (PT-PE) que, em pronunciamento ao Plenário, nesta quarta-feira (23), saudou a iniciativa do novo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de propor esse debate. “Por mais duras que sejam as implicações, temos a obrigação de lidar com essa questão”, afirmou Humberto.

Ele elogiou o parecer “fundamentado e competente” oferecido por Janot ao Supremo Tribunal Federal sobre a revisão da Lei de Anistia “Um parecer acima de tido corajoso e que enseja ao STF a oportunidade de começar a fazer justiça a este País”. Em recente manifestação ao STF sobre a extradição de um ex-policial argentino envolvido com a ditadura naquele país, o procurador-geral defendeu que a anistia brasileira deve submeter-se às convenções internacionais de que o País é signatário e segundo as quais são imprescritíveis os crimes contra a humanidade, como a tortura e a morte de opositores políticos.

O senador lembrou que os crimes cometidos pelo regime militar foram “convenientemente perdoados pela própria ditadura”, mas pondera que “um País que trabalha para construir um futuro mais justo e mais democrático não pode viver permanentemente assombrado por esses horrores ocorridos no passado e jamais resolvidos”. Ele defende que não é possível construir o futuro escondendo o passado. “A melhor forma de sanar as feridas ainda abertas na nossa história é encarando-as e ministrando o remédio adequado para fechá-las corretamente”.

Humberto defendeu que o Congresso Nacional — “que tem disputado institucionalmente com o Executivo e até com o Judiciário a prerrogativa de dar respostas à sociedade” — se antecipe ao STF e vote projetos de lei em tramitação que tratam do tema. “Essa seria uma forma de os próprios legisladores mudarem a lei para melhorar o País, sem precisarem ficar reféns da possibilidade de uma reinterpretação pelo Judiciário sobre um texto antigo”.

Para o senador, a Anistia de 1979 representa uma “falsa conciliação” que deixou o Brasil “no meio do caminho”, sem um real acerto de contas com o passado. Alguns países, como a Argentina escolheram punir os torturadores como caminho para a reconciliação. Outros, como a África do Sul, condicionaram o perdão à revelação e reconhecimento dos crimes cometidos. “Aqui, não fizemos uma coisa nem outra” e muitos dos brasileiros assassinados sequer tiveram o direito a um sepultamento. “A atual Lei de Anistia, longe de promover a reconciliação, funciona como verdadeiro toque de silêncio que impede até o conhecimento do total de vítimas da barbárie perpetrada pelo Estado”.

Humberto defendeu a aprovação do projeto do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) que trata da revisão da Anistia. “Essa seria uma grande resposta da Câmara e do Senado aos brasileiros que buscam um Brasil melhor e mais justo e uma grande contribuição ao fortalecimento da democracia”.  Ele também alertou que manter as coisas como estão equivale a colocar todos os cidadãos na condição de “cúmplices de todos os crimes cometidos por um regime de exceção” e defendeu que toda a sociedade participe do debate sobre a revisão da Lei de Anistia.

A proposta é polêmica e divide o mundo jurídico. Uma corrente considera a Lei de Anistia inconstitucional, pois impede a investigação e punição de graves violações de direitos humanos. Há três anos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil a punir os responsáveis pelo desaparecimento de 62 pessoas que participaram da Guerrilha do Araguaia, com base em tratados internacionais firmados pelo País. Já o STF manifestou-se contrário à revisão, em ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil. “Mas diversas ações impetradas por procuradores federais em todo o País começaram a derrubar essa mordaça”, lembrou o senador.

O Ministério Público Federal passou a apresentar denúncias contra militares com base na figura jurídica do crime permanente, já que muitas das vítimas jamais foram localizadas, e, portanto, a ação criminosa iniciada na ditadura ainda estaria em curso.
Pelo menos três dessas ações foram acatadas pela Justiça. “Ainda que poucas, elas são vitórias de muito significado, porque mostram uma disposição no Judiciário para rever essa lei anacrônica”, avaliou Humberto.

O senador fez questão de enfatizar que sua posição não é movida por sentimentos de vingança ou de revanche. “Muito ao contrário, o sentimento que move todos os democratas brasileiros, que querem a revisão da anistia e a punição de torturadores e assassinos, é o de nós termos o exemplo para as gerações futuras”.

“Faltaram algumas bandeiras naquelas grandes mobilizações do mês de julho. Sem dúvida, ali, seria importante que houvesse faixas dizendo: ditadura, nunca mais; tortura, nunca mais; prisões arbitrárias, nunca mais neste País! E sabem por que isso não faz parte da agenda da juventude deste País? Porque o Brasil resolveu passar uma esponja, achando que assim apaga as manchas do passado, da ditadura militar”, acrescentou.

Cyntia Campos 

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